J. Bras. Nefrol. 2009;31(2):151-3.

Efeitos de um programa de 12 semanas de exercícios físicos sobre a capacidade funcional e a qualidade de vida de pacientes com doença renal crônica em hemodiálise

Rosane Maria Nery, Maurice Zanini

Resumo:

Introdução: A reabilitação física e a qualidade de vida de pacientes em tratamento dialítico são em geral negligenciadas. O paciente com doença renal crônica relata com frequência um estado de falta de energia, fadiga e depressão. Há poucos estudos relatados na literatura sobre os efeitos de programas de exercícios físicos para pacientes dialisados. Relatamos, através desse artigo, dois casos de pacientes em tratamento dialítico submetidos a um programa de exercícios físicos.

Descritores: exercício físico, hemodiálise, qualidade de vida.

Abstract:

Introduction: Physical rehabilitation and quality of life of patients on dialysis are usually neglected. Patients with chronic kidney disease frequently complain of lack of energy, fatigue, and depression. Studies on the effects of exercise programs for dialysis patients are still scarce. The objective of this study was to report the institution of an exercise program in two patients on dialysis.

Descriptors: exercise program, hemodialysis, quality of life.

INTRODUÇÃO

A abordagem do paciente com doença renal crônica (DRC) evoluiu muito nos últimos anos. As taxas de mortalidade diminuíram por diferentes motivos, como prevenção e diagnóstico mais precoces, melhor tratamento das complicações, além de processos dialíticos mais acessíveis e modernos. Apesar deste processo, a reabilitação física e a qualidade de vida desses pacientes são, em geral, negligenciadas. O paciente com doença renal crônica relata com frequência um estado de falta de energia, fadiga e depressão. Provavelmente, um dos mais importantes fatores causadores da disfunção músculo-esquelética é o fato de que a fadiga e a falta de energia levam a um comportamento de autotratamento através do repouso e da inatividade, ou seja, sedentarismo. Alguns estudos demonstram que pacientes submetidos à hemodiálise apresentam complicações como diminuição da capacidade física e piora de outras doenças associadas.1,2 

A reduzida aptidão física dos pacientes com insuficiência renal crônica é caracterizada por flexibilidade reduzida, distúrbios de coordenação inter e intramuscular, diminuição da força e da resistência muscular e diminuição da aptidão cardiovascular. A soma destes fatores acarreta uma redução na capacidade de realizar atividades do dia a dia e menor qualidade de vida.3 A contribuição a ser dada por programas de exercícios físicos é romper o ciclo de complicações da doença renal, agravado pela inatividade física, aumentando a força muscular, melhorando a capacidade de realizar atividades em que é necessária a resistência aeróbica ou a resistência muscular e diminuir a dependência para a realização de atividades do cotidiano.4 

O objetivo do presente estudo foi verificar o efeito de doze semanas de exercícios de resistência, alongamento e relaxamento em dois casos de pacientes em tratamento dialítico.

MÉTODOS 

Estudo prospectivo de dois casos de pacientes com doença renal crônica em tratamento dialítico submetidos a 12 semanas de exercícios físicos orientados. Foi obtido termo de consentimento livre e esclarecido dos pacientes que concordaram em participar do estudo.

Os pacientes participaram de uma palestra inicial sobre hábitos de saúde e importância da prática de atividade física. O treinamento proposto foi realizado na Clínica do Rim em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. No início de cada sessão de exercícios e imediatamente após o treino, os pacientes foram monitorados quanto à pressão sanguínea (PA) e à frequência cardíaca (FC).

O treinamento foi composto por exercícios de resistência com halteres de 1 kg em membros superiores e com uso do peso corporal em membros inferiores. Também foram realizados exercícios abdominais, alongamentos e relaxamento com Chi Kung (exercícios orientais). Os pacientes participaram de duas aulas semanais de 60 minutos cada uma, em dias alternados ao da sessão de hemodiálise, durante 12 semanas.

Foram usados como instrumentos de avaliação o teste de caminhada de 6 minutos para avaliação da capacidade física, um questionário estruturado com questões sobre fatores demográficos, antropométricos e clínicos e o SF-36, um questionário genérico para avaliar qualidade de vida (QV) que consiste de oito domínios: capacidade funcional, limitação por aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, limitação por aspectos emocionais e saúde mental. O maior escore para cada parâmetro do SF-36 é 100, e o menor é 0.

RESULTADOS

CASO 1 

Homem de 60 anos com insuficiência renal crônica, em tratamento dialítico há dois anos com indicação de transplante renal apresentava hipertensão controlada, 72 kg, 1,85 m e índice de massa corpórea (IMC) igual a 21. O valor predito para o teste de caminhada de 6 minutos (TC6) na linha de base foi de 669 m. No TC6 realizado antes do início do programa de exercícios obteve como resultados 297 metros caminhados, com PA 156/82 mmHg e FC 98 bpm antes do início do teste, e, após o mesmo, PA 136/57 mmHg e FC 78 bpm. Não apresentou sintomas que o impedissem de completar o teste. A taxa de hemoglobina antes do início do programa era de 11,3 g/dL.

Após as doze semanas de treinamento, os testes foram refeitos e os valores obtidos foram de 426 m para o TC6, com PA de 137/60 mmHg e FC de 72 bpm iniciais. Ao final do teste, a PA foi de 136/56 mmHg e a FC, de 98 bpm. A taxa de hemoglobina depois de 12 semanas de treinamento era de 9,7 g/dL.

Em relação à qualidade de vida, avaliada pelo SF-36, encontramos uma melhora nos domínios capacidade funcional, que passou de 55% para 85%; limitação por aspectos físicos, que passou de 50% para 100%, e saúde mental, que passou de 36% para 96%. Os demais domínios (dor, estado geral de saúde, vitalidade e limitação por aspectos emocionais) permaneceram inalterados, exceto o aspecto social, que diminuiu de 77,5% para 62,5%.

CASO 2

Mulher de 47 anos com insuficiência renal crônica em tratamento dialítico há três anos e oito meses, já tendo realizado transplante renal há 25 anos, portadora de hepatite C tratada, peso de 52 kg, altura de 165 cm e IMC de 19. O valor predito para o TC6 na linha de base foi de 630 m. No TC6 realizado antes do início do programa de exercícios, obteve como resultados 271 metros caminhados, com PA 123/75 mmHg e FC 85 bpm antes do início do teste, e, após o mesmo, PA 154/93 mmHg e FC 86 bpm. Não apresentou sintomas que a impedissem de completar o teste. A taxa de hemoglobina antes do início do programa era de 12,2 g/dL.

Após as doze semanas de treinamento, os testes foram refeitos e os valores obtidos foram de 336 m para o TC6, com PA de 119/73 mmHg e FC de 89 bpm iniciais. Ao final do teste, a PA foi de 111/69 mmHg e FC, de 91 bpm. A taxa de hemoglobina depois de 12 semanas de treinamento era de 10,3 g/dL.

Em relação à qualidade de vida, encontramos uma melhora nos domínios capacidade funcional, que passou de 60% para 90%; estado geral de saúde, que passou de 62% para 67%; limitações por aspectos emocionais, que passou de 33,3% para 100%; e saúde mental, que passou de 64% para 84%. Os domínios limitação por aspectos físicos, dor e vitalidade permaneceram inalterados, e o domínio aspectos sociais diminuiu de 100% para 87,5%.

DISCUSSÃO 

Após o período de treinamento físico de 12 semanas, os pacientes apresentaram melhora da capacidade funcional avaliada pelo teste de caminhada de 6 minutos, com uma diferença média de 97 m caminhados entre a linha de base e o final das 12 semanas. Estando de acordo com vários estudos que avaliaram a capacidade funcional através do TC6, em resposta ao exercício físico, os pacientes demonstraram melhora em relação à velocidade habitual do passo, ao tempo de caminhada e à distância caminhada.5,6,7 Tais resultados refletem ganhos para os pacientes, principalmente para a realização de suas atividades de vida diária. Em relação à qualidade de vida, nosso estudo mostrou que houve melhora em vários domínios, corroborando com o que a literatura apresenta, na qual estudos demonstraram vários benefícios, principalmente nas escalas de componentes físicos, componente mental, saúde geral, dor, situação geral de vida, vitalidade e estado de trabalho.6,7,8,9 Atualmente, as práticas em relação aos pacientes submetidos à diálise visam principalmente à melhora da qualidade de vida, evidenciando a importância do exercício físico.

O relato dos pacientes que participaram deste trabalho, quanto aos sintomas percebidos, mostrou melhora na condição física, respiração, autoestima e concentração, assim como nos sintomas pré e pós-diálise.

Os achados do estudo, em relação aos benefícios do programa de exercícios no desempenho dos pacientes, não podem ser atribuídos à correção da anemia dos mesmos, pois houve, inclusive, redução dos valores da hemoglobina antes e após o programa de 12 semanas de exercícios físicos.

Apesar das evidências encontradas na literatura e corroboradas neste estudo, ainda são poucas as pesquisas em relação aos efeitos dos exercícios físicos para pacientes em hemodiálise, e não é de rotina a recomendação ou prescrição de treinamentos físicos para tais pacientes.

REFERÊNCIAS 

1. Konstantinidou E, Koukouvou G, Kouidi E, Deligiannis A, Tourkantonis A.Exercise training in patients with end-stage renal disease on hemodialysis: comparison of three rehabilitation programs. J Rehabil Med. 2002;34(1):40-5.

2. Levendoglu F, Altintepe L, Okudan N, Ugurlu H, Gökbel H, Tonbul Z, Güney I, Türk S. A twelve week exercise program improves the psychological status, quality of life and work capacity in hemodialysis patients. J Nephrol 2004; 17(6):826-32.

3. Daul AE, Schäfers RF, Daul K, Philipp T. Exercise during hemodialysis. Clin Nephrol. 2004:61(Suppl 1):S26-30.

4. Bojan Knap, Jadranka Buturovi-Ponikvar, Rafael Ponikvar, Andrej F Bren. Regular Exercise as a Part of Treatment for Patients With End-stage Renal Disease. Therapeutic Apheresis and Dialysis. 2005:9(3):211-13.

5. Parsons TL, Toffelmire EB, King-VanVlack CE. Exercise training during hemodialysis improves dialysis efficacy and physical performance. Arch Phys Med Rehabil. 2006;87:680-7.

6. Painter P, Carlson L, Carey S, Paul SM, Myll J. Lowfunctioning hemodialysis patients improve with exercise training. Am J Kidney Dis. 2000;36:600-8. 28.

7. Moug SJ, Grant S, Creed G, Boulton Jones M. Exercise during hemodialysis: west of Scotland pilot study. Scott Med J. 2004;49:14-7.

8. Painter P, Carlson L, Carey S, Paul SM, Myll J. Physical functioning and health-related quality-of-life changes with exercise training in hemodialysis patients. Am J Kidney Dis. 2000;35:482:92.

9. Painter P, Moore G, Carlson L, Paul S, Myll J, Phillips W, et al. Effects of exercise training plus normalization of hematocrit on exercise capacity and health-related quality of life. Am J Kidney Dis. 2002;39:257-65. 

1. Serviço de Fisiatria e Reabilitação. Hospital de Clínicas de Porto Alegre
2. Clínica do Rim de Novo Hamburgo

Correspondência para:
Rosane Maria Nery
Caixa postal 5032, Farroupilha
Porto Alegre – Rio Grande do Sul – CEP: 90041970
E-mail: rosane.nery@gmail.com

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Data de submissão: 20/01//2009
Data de aprovação: 24/03/2009

Efeitos de um programa de 12 semanas de exercícios físicos sobre a capacidade funcional e a qualidade de vida de pacientes com doença renal crônica em hemodiálise

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