J. Bras. Nefrol. 2008;30(1 suppl. 1):4-5.

Visão Geral da Doença Óssea na Doença Renal Crônica (DRC) e Nova Classificação

Vanda Jorgetti

Bone Disease in Chronic Kidney Disease (CKD): General View and New Classification

Resumo:

Os distúrbios na homeostase do cálcio, do fósforo, do calcitriol e do paratormônio ocorrem precocemente nos pacientes com doença renal crônica (DRC) e desempenham papel fundamental na fisiopatologia das doenças ósseas que acometem esses pacientes. Essa síndrome antes conhecida pelo nome “osteodistrofia renal” (ODR) foi modificada pelo KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes), recebendo uma denominaçao mais ampla que reúne as alteraçoes clinicas, bioquímicas e ósseas, além das calcificaçoes extra-ósseas, freqüentemente observadas na doença renal crônica. Essa síndrome recebeu o nome “distúrbio mineral e ósseo da doença renal crônica” (DMO-DRC) e o termo ODR ficou reservado para as alteraçoes na histologia óssea avaliadas por biópsia.

Descritores: Osteodistrofia renal. Distúrbio mineral e ósseo da doença renal crônica. DMO-DRC. Classificaçao.

Abstract:

Chronic kidney disease (CKD) is accompanied by disturbances in calcium, phosphate, calcitriol, and parathyroid hormone (PTH) homeostasis that play an important role in the pathophysiology of renal bone disease and are an important cause of morbidity. These disturbances have traditionally been termed renal osteodystrophy and classified based on bone biopsy. “Kidney Disease: Improving Global Outcomes” (KDIGO) recommended that the term renal osteodystrophy should be used exclusively to define alterations in bone histology associated with CKD, and proposed a new term to describe the syndrome of biochemical, bone and extra-skeletal calcification abnormalities that occur in these patients. The new term is CKD-MBD (CKD-Mineral and Bone Disorder)

Descriptors: Renal osteodystrophy. Mineral and bone disorder of chronic kidney disease. CKD-MBD. Classification.

 

INTRODUÇAO

Os distúrbios na homeostase do cálcio, do fósforo do calcitriol e do paratormônio ocorrem precocemente nos pacientes com doença renal crônica e desempenham papel fundamental na fisiopatologia das doenças ósseas, que acometem esses pacientes1. Essa síndrome antes conhecida pelo nome osteodistrofia renal (ODR), atualmente recebe a denominaçao distúrbio mineral e ósseo da doença renal crônica (DMO-DRC), termo que reúne as alteraçoes clinicas, bioquímicas e ósseas, além das calcificaçoes extra-ósseas, frequentemente observadas na DRC. O termo ODR ficou reservado para as alteraçoes na histologia óssea avaliadas por biópsia2.

A associaçao entre doença renal e óssea é conhecida desde o final do século XIX, porém, foi melhor compreendida nos últimos 40 anos quando o tratamento dialítico e o transplante renal prolongaram a sobrevida dos paciente com DRC. Este aumento de sobrevida permitiu que se observasse as características e a evoluçao da doença óssea, considerada uma das complicaçoes que mais aumentam as morbidades desses pacientes3.

A biópsia óssea é o padrao-ouro para o diagnóstico do tipo histológico da ODR. Todavia, por se tratar de um método invasivo nao é utilizada como parte da avaliaçao de rotina na DRC. No entanto, algumas indicaçoes clínicas específicas exigem a realizaçao da biópsia óssea como método exclusivo de diagnóstico. Em principio, a biopsia pode ser realizada em qualquer regiao do corpo, porém a crista ilíaca é o local de escolha, pois além do fácil acesso, contem osso cortical e trabecular. Vale também lembrar que, os dados de populaçoes normais de vários países, usados para comparaçao, foram obtidos na crista ilíaca. A marcaçao prévia do tecido ósseo pela tetraciclina é obrigatória em todos os pacientes que serao submetidos à biópsia. A dose utilizada de cloridrato de tetraciclina é de 20mg/kg/dia por 3 dias consecutivos, em 2 períodos distintos, separados por um intervalo de 10 dias. A biópsia deverá ser realizada até 5 dias após o segundo período de tomada da tetraciclina.

A análise quantitativa do tecido ósseo conhecida como histomorfometria é uma técnica que permite analisar a estrutura do tecido, bem como parâmetros que avaliam a formaçao, a reabsorçao e a mineralizaçao óssea4,5.

Os parâmetros estruturais descrevem a quantidade de tecido, bem como o número e a espessura das trabéculas ósseas. Fatores que influenciam a quantidade de tecido ósseo tanto na populaçao normal como nos pacientes com DRC sao: idade, sexo, raça, fatores genéticos, nutricionais e endócrinos, estímulos mecânicos e nervosos, vascularizaçao, fatores locais e citocinas. Os índices de formaçao óssea compreendem as superfícies e espessuras da matriz osteóide e as superfícies ósseas recobertas por osteoblastos. A reabsorçao óssea é quantificada nas trabéculas que apresentam erosao, com ou sem osteoclastos. A análise das marcaçoes pela tetraciclina permite quantificar, in vivo, a funçao dos osteoblastos e, portanto, a formaçao e a mineralizaçao ósseas. Os dois índices básicos obtidos da analise da mineralizaçao sao a superfície mineralizante, ou seja, a porcentagem de traves ósseas com marcaçao pela tetraciclina em relaçao à superfície trabecular total e a velocidade com que a mineralizaçao ocorre. O intervalo de tempo para mineralizaçao e a taxa de formaçao óssea sao índices obtidos matematicamente a partir da superfície mineralizante e da velocidade de mineralizaçao. A mineralizaçao óssea normal é o resultado da deposiçao de minerais (cálcio, fósforo etc.) na matriz osteóide. Quando a mineralizaçao esta alterada ocorre acúmulo de osteóide, pois os osteoblastos, pelo menos por certo tempo, continuam produzindo matriz. A definiçao histomorfométrica de osteomalácia (OM) é a ocorrência simultânea do aumento da espessura do osteóide e do intervalo de tempo para mineralizaçao. Os fatores que influenciam a mineralizaçao óssea nos pacientes com DRC sao: deficiência de vitamina D, de minerais, acidose e intoxicaçao pelo alumínio6,7.

Na DRC, nao se observa somente defeito na mineralizaçao óssea, outro evento que merece destaque é a alteraçao na remodelaçao óssea que, nesses pacientes, é influenciada pelos níveis de paratormônio, por outros hormônios como, por exemplo, os hormônios sexuais, por estímulos mecânicos e fatores de crescimento, que atuam nao somente no recrutamento como na diferenciaçao e na atividade dos osteoblastos e osteoclastos.

A taxa de formaçao óssea é o índice usado para avaliar o estado da remodelaçao do tecido nos pacientes com DRC. A doença óssea de alta remodelaçao é representada pela osteíte fibrosa (OF), secundária ao hiperparatiroidismo, e a de baixa remodelaçao, pela osteomalácia (OM) e pela doença adinâmica (DOA). Um estado intermediário entre a alta e a baixa remodelaçao é conhecido como doença mista (DOM). Além da taxa de formaçao óssea, outros parâmetros obtidos da análise histomorfometrica sao usados para separar cada tipo histológico. Entretanto, os valores de cut-off sao arbitrários, questionáveis, e nem sempre sao os mesmos nas distintas publicaçoes cientificas dificultando, assim, a compreensao e a uniformizaçao dos resultados8.

Recentemente o KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes)2, fundaçao dirigida por um colegiado internacional, que propoe diretrizes para melhorar o cuidado e o seguimento de pacientes com DRC, sugeriu que a classificaçao fosse modificada propondo que se analisasse a remodelaçao, a mineralizaçao e o volume ósseo. Em inglês, essa nova classificaçao recebeu a sigla TMV (turnover,mineralization, bone volume). A remodelaçao será avaliada pela taxa de formaçao óssea, a mineralizaçao, pelo volume e espessura da matriz osteóide e pelo intervalo de tempo para mineralizaçao e o volume ósseo pela quantidade de trabéculas ósseas entre as duas corticais. Uma vez obtidos, esses índices podem ser numéricos e/ou categorizados, ou seja, a remodelaçao poderá ser descrita como baixa, normal ou alta, a mineralizaçao, como normal ou anormal e o volume ósseo, como baixo, normal ou alto.

Essas novas diretrizes precisam ser postas em prática. A uniformizaçao dos resultados dos diferentes estudos facilitaria a compreensao da fisiopatologia da doença óssea e talvez pudesse contribuir para melhorar as propostas terapêuticos nos pacientes com DRC.

REFERENCIAS

1. Hruska KA, Teitelbaum SL. Renal osteodystrophy. N Engl J Med. 1995;333:166-74.

2. Moe S, Drüeke T, Cunningham J, Goodman W, Martin K, Olgaard K, et al. Definition, evaluation, and classification of renal osteodystrophy: A position statement from kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO). Kidney International 2006;69:1945-53.

3. Mendonça DU, Lobao RRS, Carvalho AB Revisao: Hiperparatiroidismo secundário – visao atual de aspectos fisiopatológicos e clínicos. Braz. J. Nephrol. (J. Bras. Nefrol.). 2002;24:48-55.

4. Freemont T, Malluche HH. Utilization of bone histomorphometry in renal osteodystrophy: demonstration of a new approach using data from a prospective study of lanthanum carbonate. Clin Nephrol. 2005;63:138-45.

5. Martin KJ, Olgaard K, Coburn JW, Coen GM, Fukagawa M, Langman C et al. Diagnosis, assessment, and treatment of bone turnover abnormalities in renal osteodystrophy. Am J Kidney Dis. 2004;43:558-65.

6. Parfitt AM. Renal bone disease: a new conceptual framework for the interpretation of bone histomorphometry. Curr Opin Nephrol Hypertens. 2003;12:387-403.

7. Parfitt AM, Drezner MK, Glorieux FH, Kanis JA, Malluche H, Meunier PJ, et al. Bone histomorphometry: standardization of nomenclature, symbols, and units. Report of the ASBMR. Histomorphometry Nomenclature Committee. J Bone Miner Res. 1987;2:595-610.

8. Sherrard DJ, Hercz G, Pei Y, Maloney NA, Greenwood C, Manuel A, et al. The spectrum of bone disease in end-stage renal failure – an evolving disorder. Kidney Int. 2003;43:436-42.

1. Médica Assistente do Serviço de Nefrologia do Hospital das Clínicas da Universidade de Sao Paulo

Visão Geral da Doença Óssea na Doença Renal Crônica (DRC) e Nova Classificação

Comentários