J. Bras. Nefrol. 2014;36(1 suppl.1):29-31.

7. Transfusão

Pasqual Barretti, Alvimar Gonçalves Delgado

DOI: 10.5935/0101-2800.2014S009

Citação: Barretti P, Delgado AG. 7. Transfusão. Braz. J. Nephrol. (J. Bras. Nefrol.) 36(1 Suppl 1):29. doi:10.5935/0101-2800.2014S009
Recebido: Agosto 23 2013; Aceito: Janeiro 10 2014

RECOMENDAÇÃO 7.1

O emprego de transfusões de hemácias em pacientes com DRC deve ser criterioso e maximamente restrito (Evidência B).

RECOMENDAÇÃO 7.2

Na piora aguda da anemia, a transfusão está indicada nas seguintes situações:

  • Independentemente da concentração de hemoglobina: perda volêmica maior que 30-40% do volume corporal; perda volêmica menor que 30% com sinais de inadequada oxigenação tecidual (angina, alterações eletrocardiográficas, instabilidade hemodinâmica, insuficiência cardíaca e alterações do estado de consciência); perda sanguínea aguda ativa sem controle imediato ou sem melhora clínica após reposição fluida (coloides ou cristaloides) (Evidência C).
  • Na ausência de manifestações clínicas, se a concentração de hemoglobina for ≤ 7 g/dL. (Evidência A).

RECOMENDAÇÃO 7.3

Nas anemias crônicas associadas à inadequada resposta aos AEE, hemoglobinopatias ou falência medular, a transfusão sanguínea está indicada:

  • quando houver hemoglobina ≤ 7 g/dL;
  • em caso de hemoglobina ≤ 8 g/dl em pacientes com doença cardiovascular preexistente ou
  • quando o paciente apresentar sinais e sintomas clínicos (instabilidade hemodinâmica durante a hemodiálise, hipotensão postural, fraqueza intensa, letargia, insuficiência cardíaca, angina, etc). (Evidência B).

RECOMENDAÇÃO 7.4

Em pacientes em preparo eletivo para cirurgia, a transfusão deve ser indicada quando a hemoglobina for ≤ 7 g/dL, estando contraindicada se a hemoglobina for maior que 10 g/dL (Evidência B). Para pacientes com mais de 65 anos ou com doença cardiovascular preexistente, deve-se considerar como indicativo de transfusão uma concentração de Hb ≤ 8 g/dL.

RECOMENDAÇÃO 7.5

Em pacientes elegíveis para transplante de órgãos é recomendado evitar, quando possível, transfusão sanguínea para minimizar o risco de alossensibilização (Evidência A).

RECOMENDAÇÃO 7.6

Quando indicado o uso de concentrado de hemácias, o tempo de infusão deve ser de, no máximo, duas horas. A quantidade a ser infundida deve levar em conta a necessidade do paciente e o risco de hipervolemia (Opinião).

JUSTIFICATIVA

A transfusão sanguínea é um procedimento de alto custo e associado ao risco de eventos adversos imunológicos como reações alérgicas e febris, hemólise fatal e não fatal, injúria pulmonar aguda associada à transfusão (TRALI), anafilaxia, sobrecarga circulatória, sobrecarga de ferro corporal, reação enxerto versus hospedeiro, ao lado de risco aumentado de transmissão do vírus da hepatite B, hepatite C e HIV, assim como de morte associada à sepse. Dados quantitativos sobre o risco destas complicações em pacientes transfundidos podem ser encontrados em publicações recentes, com destaque para as últimas recomendações da AABB (American Association of Blood Bank).14

Segundo as recomendações do KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes), publicadas em 2012,5 a decisão de transfundir um paciente com DRC e anemia aguda deve ser baseada não em um valor determinado da concentração de Hb, mas principalmente no quadro clínico e nas condições de controle do sangramento. Assim, pacientes com hemoglobina < 10 g/dL poderiam ser transfundidos apenas em decorrência dos sinais e sintomas de anemia. Mais recentemente, as diretrizes da AABB4 mostram que não há, até o momento, evidências de que a estratégia de uso liberal de transfusões, independentemente da Hb, seja melhor que o seu uso restrito. Há também várias evidências, incluindo dados recentes do US Renal Data System (USRDS), de que a transfusão aumenta o risco de isossensibilização6,7 em pacientes candidatos ao transplante renal, não havendo dados consistentes de que esse risco possa ser reduzido com o uso da leucorredução,8 hemácias lavadas,9 transfusão de doador10 ou HLA-DR específicos.11

Nas anemias crônicas0, os sinais e sintomas associados a diferentes níveis de Hb são bastante variáveis. Em voluntários sadios em repouso, a redução isovolêmica da hemoglobina para 5 g/dL foi relativamente bem tolerada do ponto de vista cardiovascular e metabólico, embora alguns indivíduos apresentassem taquicardia e sinais eletrocardiográficos de isquemia.12 No que concerne à função cognitiva, valores abaixo de 6 g/dL associaram-se a alterações que foram revertidas após transfusão com elevação da hemoglobina para 7 g/dL.13 Em outro estudo, concentrações de hemoglobina menores que 5 g/dL associaram-se à dispneia e à descompensação cardíaca.14

O estudo TRICC (Transfusion Requirements in Critical Care),15 no qual 43% dos pacientes apresentavam doença cardiovascular, não observou diferenças na mortalidade entre pacientes transfundidos com hemoglobina menor que 7 g/dL e aqueles com níveis mais elevados que 7 g/dL.9 No estudo FOCUS16 (Transfusion Trigger Trial for Functional Outcomes in Cardiovascular Patients Undergoing Surgical Hip Fracture Repair), que incluiu 63% dos pacientes com doença cardiovascular e fatores de risco cardiovascular, e cuja estratégia restritiva era a indicação de transfusão se as concentrações de hemoglobina fossem ≤ 8 g/dL, também não se observaram diferenças entre os transfundidos com Hb ≤ 8 g/dL e aqueles transfundidos com Hb ≤ 10 g/dL, quanto à mortalidade e recuperação funcional. Em pacientes cirúrgicos não transfundidos por motivos religiosos, a mortalidade foi maior se a Hb no pós-operatório era menor que 7,0 g/dL e drasticamente mais elevada com níveis inferiores a 6g/dL.17 No estudo TRICC,15 com 838 pacientes, um grupo recebeu transfusões apenas quando a Hb caía a menos de 7 g/dL e o segundo (com 420 pacientes) era transfundido quando a hemoglobina estava abaixo de 10 g/dL para manter concentrações de Hb entre 10 e 12 g/dL; houve maior mortalidade nos pacientes com indicação liberal de transfusão. Entretanto, com base no estudo FOCUS16 e na diretriz do KDIGO11 considerou-se que, para pacientes com doença cardiovascular ou com alto risco cardiovascular, como aqueles com idade maior que 65 anos, a transfusão estaria indicada quando a concentração de Hb for ≤ 8 g/dL.

Em caso de necessidade de transfusão, a utilização de sangue total se faz desnecessária, em virtude de a maior parte dos casos de hipovolemia poderem ser tratados com soluções cristaloides em associação com concentrado de hemácias. A leucorredução deve ser reservada para casos de reações transfusionais febris não hemolíticas18 e para pacientes transplantados CMV IgG negativos, reduzindo o risco de transmissão do citomegalovírus.19 Vale ressaltar que é recomendado que o tempo de infusão de hemocomponentes não seja maior que quatro horas, devido ao risco de contaminação bacteriana.20

REFERÊNCIAS

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3. Klein HG. How safe is blood, really? Biologicals 2010;38:100-4. PMID: 20074975Link PubMedLink DOI
4. Carson JL, Grossman BJ, Kleinman S, Tinmouth AT, Marques MB, Fung MK, et al.; Clinical Transfusion Medicine Committee of the AABB. Red blood cell transfusion: a clinical practice guideline from the AABB*. Ann Intern Med 2012;157:49-58.Link DOILink PubMed
5. Locatelli F, Bárány P, Covic A, De Francisco A, Del Vecchio L, Goldsmith D, et al.; ERA-EDTA ERBP Advisory Board. Kidney Disease: Improving Global Outcomes guidelines on anaemia management in chronic kidney disease: a European Renal Best Practice position statement. Nephrol Dial Transplant 2013;28:1346-59.Link DOILink PubMed
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20. Hospital Sírio Libanês- Manual de Conduta Hemoterápicas, 2a edição [Acessado em 2 de setembro de 2013]. Disponível em: http://www.hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/banco-de-sangue/PublishingImages/guia-de-conduta.pdf
7. Transfusão

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