J. Bras. Nefrol. 2010;32(suppl 1):3-4.

Conceituação, epidemiologia e prevenção primária

Andréa A. Brandão, Maria Eliane Campos Magalhães, Adriana Ávila, Agostinho Tavares, Carlos Alberto Machado, Érika Maria Gonçalves Campana, Ines Lessa, José Eduardo Krieger, Luiz Cesar Scala, Mario Fritsch Neves, Rita de Cássia Gengo e Silva, Rosa Sampaio

DOI: 10.1590/S0101-28002010000500003

CONCEITUAÇAO

A hipertensao arterial sistêmica (HAS) é uma condiçao clínica multifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressao arterial (PA). Associa-se frequentemente a alteraçoes funcionais e/ou estruturais dos órgaos-alvo (coraçao, encéfalo, rins e vasos sanguíneos) e a alteraçoes metabólicas, com consequente aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e nao fatais.1-4

IMPACTO MÉDICO E SOCIAL DA HIPERTENSAO ARTERIAL SISTEMICA

HIPERTENSAO ARTERIAL SISTEMICA E AS DOENÇAS CARDIOVASCULARES NO BRASIL E NO MUNDO

A HAS tem alta prevalência e baixas taxas de controle, é considerada um dos principais fatores de risco (FR) modificáveis e um dos mais importantes problemas de saúde pública. A mortalidade por doença cardiovascular (DCV) aumenta progressivamente com a elevaçao da PA a partir de 115/75 mmHg de forma linear, contínua e independente.1 Em 2001, cerca de 7,6 milhoes de mortes no mundo foram atribuídas à elevaçao da PA (54% por acidente vascular encefálico – AVE e 47 % por doença isquémica do coraçao – DIC),4 sendo a maioria em países de baixo e médio desenvolvimento econômico e mais da metade em indivíduos entre 45 e 69 anos. Em nosso país, as DCV têm sido a principal causa de morte. Em 2007 ocorreram 308.466 óbitos por doenças do aparelho circulatório2 (Figura 1). Entre 1990 e 2006, observou-se uma tendência lenta e constante de reduçao das taxas de mortalidade cardiovascular (Figura 2).

Figura 1. Taxas de mortalidade por DCV e suas diferentes causas no Brasil em 2007.
Figura 2. Taxas ajustadas de mortalidade por doenças do aparelho circulatório nas regioes brasileiras de 1990 a 2006.

As DCV sao ainda responsáveis por alta frequência de internaçoes, ocasionando custos médicos e socioeconómicos elevados.1,3 Como exemplo, em 2007 foram registradas 1.157.509 internaçoes por DCV no SUS. Em relaçao aos custos, em novembro de 2009, houve 91.970 internaçoes por DCV, resultando em um custo de R$165.461.644,33 (DATASUS).5 A doença renal terminal, outra condiçao frequente na HAS, ocasionou a inclusao de 94.282 indivíduos em programa de diálise no SUS, registrando-se 9.486 óbitos em 2007.5

PREVALENCIA DA HIPERTENSAO ARTERIAL SISTEMICA

Inquéritos populacionais em cidades brasileiras nos últimos vinte anos apontaram uma prevalência de HAS acima de 30%. Considerando-se valores de PA > 140/90 mmHg, 22 estudos encontraram prevalências entre 22,3% e 43,9%, (média de 32,5%), com mais de 50% entre 60 e 69 anos e 75 % acima de 70 anos.6,7

Entre os gêneros, a prevalência foi de 35,8% em homens e de 30% em mulheres, semelhante à de outros países.8 Revisao sistemática quantitativa de 2003 a 2008, de 44 estudos em 35 países, revelou uma prevalência global de 37,8% em homens e 32,1% em mulheres.8

CONHECIMENTO, TRATAMENTO E CONTROLE

Estudos clínicos demonstraram que a detecçao, o tratamento e o controle da HAS sao fundamentais para a reduçao dos eventos cardiovasculares.1 No Brasil, 14 estudos populacionais realizados nos últimos quinze anos com 14.783 indivíduos (PA < 140/90 mmHg) revelaram baixos níveis de controle da PA (19,6%).7,9 Estima-se que essas taxas devem estar superestimadas, devido, principalmente, à heterogeneidade dos trabalhos realizados. A comparaçao das frequências, respectivamente, de conhecimento, tratamento e controle nos estudos brasileiros7,9 com as obtidas em 44 estudos de 35 países8 revelou taxas semelhantes em relaçao ao conhecimento (52,3% vs. 59,1%), mas significativamente superiores no Brasil em relaçao ao tratamento e controle (34,9% e 13,7% vs. 67,3% e 26,1%), em especial em municípios do interior com ampla cobertura do Programa de Saúde da Família (PSF), mostrando que os esforços concentrados dos profissionais de saúde, das sociedade científicas e das agências governamentais sao fundamentais para se atingirem metas aceitáveis de tratamento e controle da HAS.

FATORES DE RISCO PARA HAS

IDADE

Existe relaçao direta e linear da PA com a idade,1 sendo a prevalência de HAS superior a 60% na faixa etária acima de 65 anos.6 Entre metalúrgicos do RJ e de SP a prevalência de HAS foi de 24,7% e a idade acima de 40 anos foi a variável que determinou maior risco para essa condiçao.10

GENERO E ETNIA

A prevalência global de HAS entre homens e mulheres é semelhante, embora seja mais elevada nos homens até os 50 anos, invertendo-se a partir da 5ª década.6,10,11 Em relaçao à cor, a HAS é duas vezes mais prevalente em indivíduos de cor nao branca. Estudos brasileiros com abordagem simultânea de gênero e cor demonstraram predomínio de mul heres negras com excesso de HAS de até 130% em relaçao às brancas. Nao se conhece, com exatidao, o impacto da miscigenaçao sobre a HAS no Brasil.

EXCESSO DE PESO E OBESIDADE

O excesso de peso se associa com maior prevalência de HAS desde idades jovens.12 Na vida adulta, mesmo entre indivíduos fisicamente ativos, incremento de 2,4 kg/m2 no índice de massa corporal (IMC) acarreta maior risco de desenvolver hipertensao. A obesidade central também se associa com PA.13

INGESTAO DE SAL

Ingestao excessiva de sódio tem sido correlacionada com elevaçao da PA.1 A populaçao brasileira apresenta um padrao alimentar rico em sal, açúcar e gorduras. Em contrapartida, em populaçoes com dieta pobre em sal, como os índios brasileiros Yanomami, nao foram encontrados casos de HAS.1 Por outro lado, o efeito hipotensor da restriçao de sódio tem sido demonstrado.14-18

INGESTAO DE ALCOOL

A ingestao de álcool por períodos prolongados de tempo pode aumentar a PA1,10 e a mortalidade cardiovascular em geral. Em populaçoes brasileiras o consumo excessivo de etanol se associa com a ocorrência de HAS de forma independente das características demográficas.1,19,20

SEDENTARISMO

Atividade física reduz a incidência de HAS, mesmo em indivíduos pré-hipertensos, bem como a mortalidade1,21 e o risco de DCV.

FATORES SOCIOECONOMICOS

A influência do nível socioeconómico na ocorrência da HAS é complexa e difícil de ser estabelecida.22 No Brasil a HAS foi mais prevalente entre indivíduos com menor escolaridade.6

GENÉTICA

A contribuiçao de fatores genéticos para a gênese da HAS está bem estabelecida na populaçao.23 Porém, nao existem, até o momento, variantes genéticas que possam ser utilizadas para predizer o risco individual de se desenvolver HAS.23

OUTROS FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR

Os fatores de risco cardiovascular frequentemente se apresentam de forma agregada. A predisposiçao genética e os fatores ambientais tendem a contribuir para essa combinaçao em famílias com estilo de vida pouco saudável.1,6

PREVENÇAO PRIMARIA

MEDIDAS NAO MEDICAMENTOSAS

Mudanças no estilo de vida sao recomendadas com entusiasmo na prevençao primária da HAS, notadamente nos indivíduos com PA limítrofe. Mudanças de estilo de vida reduzem a PA, bem como a mortalidade cardiovascular.24-26 Hábitos saudáveis de vida devem ser adotados desde a infância e adolescência, respeitando-se as características regionais, cult urais, sociais e económicas dos indivíduos. As principais recomendaçoes nao medicamentosas para prevençao primária da HAS sao: alimentaçao saudável, consumo controlado de sódio e álcool, ingestao de potássio, combate ao sedentarismo e ao tabagismo.

MEDIDAS MEDICAMENTOSAS

Estudos foram realizados com o objetivo de avaliar a eficácia e a segurança de medicamentos na prevençao da HAS. Nos estudos TROPHY27 e PHARAO28 a estratégia medicamentosa foi bem tolerada e preveniu o desenvolvimento de HAS em populaçoes jovens de alto risco. Para o manejo de indivíduos com comportamento limítrofe da PA recomenda-se considerar o tratamento medicamentoso apenas em condiçoes de risco cardiovascular global alto ou muito alto. Até o presente, nenhum estudo já realizado tem poder suficiente para indicar um tratamento medicamentoso para indivíduos com PA limítrofe sem evidências de doença cardiovascular.1,29

ESTRATÉGIAS PARA IMPLEMENTAÇAO DE MEDIDAS DE PREVENÇAO

A implementaçao de medidas de prevençao na HAS representa um grande desafio para os profissionais e gestores da área de saúde. No Brasil, cerca de 75 % da assistência à saúde da populaçao é feita pela rede pública do Sistema Unico de Saúde – SUS, enquanto o Sistema de Saúde Complementar assiste cerca de 46,5 milhoes.30 A prevençao primária e a detecçao precoce sao as formas mais efetivas de evitar as doenças e devem ser metas prioritárias dos profissionais de saúde.

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30. Caderno de Informaçao da Saúde Suplementar. Beneficiários, operadoras e planos. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar, Dez 2009.

Coordenadora: Andréa A. Brandao (RJ)
Secretária: Maria Eliane Campos Magalhaes (RJ)
Participantes: Adriana Avila (SP); Agostinho Tavares (SP); Carlos Alberto Machado (SP); Érika Maria Gonçalves Campana (RJ); Ines Lessa (BA); José Eduardo Krieger (SP); Luiz Cesar Scala (MT); Mario Fritsch Neves (RJ); Rita de Cássia Gengo e Silva (SP); Rosa Sampaio (DF)I

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