J. Bras. Nefrol. 2011;33(2):221-4.

Paratireoidectomia na DRC

Elisa de Albuquerque Sampaio, Rosa Maria Affonso Moysés

DOI: 10.1590/S0101-28002011000200018

1 Indicaçoes de Paratireoidectomia (PTx)

A PTx deve ser indicada em pacientes com doença renal crônica estágios III-V D e I-V T com hiperparatireoidismo secundário (HPS) ou terciário, respectivamente, nao responsivo ao tratamento clínico, assim especificado:

1.1 Pacientes com HPS com nível sérico de PTH, persistentemente acima de 800 pg/mL, associado a uma ou mais das seguintes condiçoes:

1.1.1 Hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia refratárias ao tratamento clínico (Evidência).

1.1.2 Hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia durante pulsoterapia com calcitriol ou análogos da vitamina D, a despeito do uso de quelante de P sem Ca e da reduçao da concentraçao de Ca do dialisato (Evidência).

1.1.3 Calcificaçoes extraósseas (tecidos moles e/ou cardiovasculares) ou arteriolopatia urêmica calcificante (calcifilaxia) (Evidência).

1.1.4 Doença óssea avançada, progressiva e debilitante que nao responde ao tratamento clínico (Evidência).

1.1.5 Presença de glândulas paratireoides volumosas ao ultrassom (volume > 1,0 cm3) (Opiniao).

1.2 Pacientes com HP terciário, quando: 1.2.1 Associado à hipercalcemia maligna (Ca total > 14 mg/dL ou Ca iônico > 1,80 mmol/L) (Evidência).

1.2.2 Associado a hipercalcemia e perda progressiva e inexplicada da funçao do enxerto (Evidência).

1.2.3 Hipercalcemia persistente após o primeiro ano de transplante renal.

2 Avaliaçao pré-operatória

2.1 Identificar as glândulas paratireoides através de ultrassonografia e cintilografia com sestamibi-99mTc (Opiniao).

2.2 Descartar intoxicaçao alumínica nos pacientes com HPS, por meio do teste a desferroxamina (Evidência).

2.2.1 Nos casos de alta probabilidade dessa associaçao e na presença de um teste negativo ou duvidoso com desferroxamina, realizar biópsia óssea (Evidência).

3 Tipos de PTx

3.1 A PTx deve ser subtotal ou total com autoimplante de tecido paratireoideano (Evidência).

3.1.1 Nos casos de autoimplante de tecido paratireoideano, este pode ser realizado no antebraço ou na regiao pré-esternal (Opiniao).

4 Tratamento da síndrome da fome óssea no pós-operatório imediato

4.1 Dosar potássio duas vezes ao dia, durante as primeiras 24 horas subsequentes à PTx. Dosar Ca sérico pelo menos duas vezes ao dia até a estabilizaçao dos seus níveis e alta hospitalar. Em pacientes transplantados ou em tratamento conservador, monitorar também P e magnésio na mesma frequência (Opiniao).

4.2 Iniciar infusao de gluconato de Ca IV imediatamente após o término da PTx. Utilizar 10 ampolas de gluconato de Ca a 10% diluídas em 250 mL de soluçao fisiológica a 0,9%, infundido preferencialmente em veia calibrosa, na velocidade de 10 mL/h através de bomba de infusao contínua. Posteriormente, a velocidade de infusao deve ser ajustada para manter o Ca sérico > 7,5 mg/dL ou Ca iônico > 1,0 mmol/L (Opiniao).

4.2.1 Fazer uma dose suplementar de gluconato de Ca (uma ampola de gluconato de Ca a 10% IV, diluída em 50 mL de glicose a 5%, em 10 minutos) sempre que o Ca sérico estiver < 7,5mg/dL (< 1,0 mmol/L) ou o paciente apresentar sintomas de hipocalcemia (Opiniao).

4.3 Iniciar carbonato de Ca na dose de 48 g/dia (1 colher de sopa = 12 gramas), a cada 6 horas, por via oral, após a liberaçao da dieta, longe das refeiçoes, ajustando de acordo com o Ca sérico (Opiniao).

4.4 Iniciar calcitriol oral na dose de 2,5 µg/dia, fracionada em duas tomadas diárias, concomitante ao uso de carbonato de Ca, ajustando de acordo com o Ca sérico (Opiniao).

4.5 Após o segundo pós-operatório, as doses de carbonato de Ca e calcitriol devem ser ajustadas visando à suspensao da infusao de gluconato de Ca, o mais precocemente possível (Opiniao).

4.6 Em pacientes transplantados renais, as doses de gluconato de Ca, carbonato de Ca e calcitriol devem ser reduzidas à metade do recomendado nos itens 4.2-4.4. (Opiniao).

4.7 Após a PTx, usar dialisato com concentraçao de Ca de 3,5 mEq/L (Opiniao).

5 Cuidados no pós-operatório tardio

5.1 Monitorar Ca e P séricos semanalmente, nas primeiras 4 semanas, após a alta hospitalar, e quinzenalmente até o término da fome óssea (Opiniao).

RACIONAL

O HPS é uma complicaçao frequente em pacientes com DRC, contribuindo para as altas taxas de morbimortalidade dessa populaçao. Ao longo do curso da DRC, o HPS requer monitoraçao e medidas de prevençao e tratamento enérgicas, as quais nem sempre sao satisfatórias para seu adequado controle, levando à necessidade de tratamento cirúrgico através da PTx.1-3

Devido à falta de estudos randomizados e controlados avaliando tratamento clínico vs. cirúrgico do HPS avançado, torna-se difícil comparar seus benefícios em longo prazo.2 Ressalta-se que o surgimento de novas estratégias terapêuticas, como os calcimiméticos, podem vir a reduzir a necessidade de PTx.4 Entretanto, a PTx cirúrgica permanece a terapia definitiva para o HPS grave refratário ao manejo clínico.2

Os métodos de imagem para a localizaçao das glândulas paratireoides antes da PTx nem sempre sao suficientemente sensíveis, sendo a ultrassonografia e a cintilografia de paratireoides consideradas métodos complementares.5-7 Esses procedimentos facilitam a abordagem cirúrgica, apesar de a nao visualizaçao de qualquer glândula paratireoide nao contraindicar a PTx.

Sao três tipos de PTx: a subtotal, a total e a total com autoimplante de tecido paratireoideano.8-14 Embora a escolha de um tipo ou outro dependa da experiência e da habilidade do cirurgiao, atualmente tem-se optado pela PTx subtotal ou total com autoimplante em razao da alta taxa de hipoparatireoidismo resultante da PTx total.13 Nao existe evidência que a PTx total com autoimplante seja superior ou inferior à PTx subtotal. A PTx total sem autoimplante nao deve ser realizada em pacientes transplantados ou naqueles que estao na lista de espera para o transplante renal.2

Atualmente, alguns centros utilizam a dosagem do PTH intraoperatório como ferramenta para monitoraçao da efetividade da PTx.15-17

O autoimplante de tecido paratireoideano pode ser realizado tanto no antebraço como na regiao pré-esternal, dependendo da experiência do cirurgiao. Com relaçao à PTx subtotal, geralmente o cirurgiao escolhe como glândula remanescente aquela de menor tamanho e de melhor aspecto, deixando-a inteira ou efetuando ressecçao parcial. Essa glândula remanescente é fixada com fio nao reabsorvível para facilitar futuras intervençoes em caso de recidiva.12

Após a PTx bem-sucedida, segue um período conhecido como “síndrome da fome óssea”, que ocorre geralmente nos primeiros dias de pós-operatório, mas que, nao raras vezes, surge tardiamente. As principais características dessa fase sao hipocalcemia, hipofosfatemia e elevaçao da fosfatase alcalina total e óssea. Nessa fase, uma grande reposiçao de Ca e de calcitriol se faz necessária, por um período que varia desde os primeiros dias de pós-operatório até mesmo meses após a alta do paciente.17 Embora a reposiçao intravenosa de grandes quantidades de Ca seja objeto de controvérsia na literatura, a maioria dos pacientes, principalmente aqueles com HPS grave, desenvolve hipocalcemia sintomática, necessitando de tal medida.18,19

A administraçao de Ca e de calcitriol por via oral, tentando manter o Ca sérico na faixa normal, deve ser instituída o mais rapidamente possível, porque além de favorecer a reduçao dos episódios de hipocalcemia e suspensao mais rápida da infusao venosa de Ca, possibilitará menor tempo de hospitalizaçao.20-22 Durante o período de “fome óssea”, atençao especial deve ser dada às dosagens do potássio sérico, pois um significativo percentual desses pacientes desenvolve hipercalemia no pós-operatório imediato, inclusive necessitando de diálise emergencial.19,23,24

Embora a causa da hipercalemia pós-PTx venha sendo atribuída à maciça apoptose de osteoclastos, sua real gênese ainda é obscura na literatura.19 Além disso, alguns pacientes, principalmente aqueles com DRC pré-dialítica ou transplantados, desenvolvem hipomagnesemia, sendo essa complicaçao, muitas vezes, a causa da hipocalcemia sustentada no pós-operatório.25 A reposiçao de magnésio é feita com sulfato de magnésio intravenoso ou pindolato de magnésio por via oral, até que seus níveis voltem à normalidade. Quanto à reposiçao de P para correçao da hipofosfatemia, esta deve ser evitada, exceçao feita no caso de hipofosfatemia grave e sintomática, em que o nível sérico de P encontra-se abaixo de 1,0 mg/dL.26

Após o primeiro mês da PTx, é essencial a monitoraçao mensal de Ca e P séricos visando à modificaçao da posologia do Ca oral e do calcitriol. O Ca oral, inicialmente utilizado como suplemento, deve ter sua dose ajustada de acordo com as necessidades individuais. No decorrer do período pós-operatório tardio, a necessidade da mudança do Ca oral da forma de suplemento para a forma quelante, ou mesmo uma associaçao de ambas, deve ser sempre considerada.

As vezes, a introduçao de quelantes nao contendo Ca, como o sevelamer, em substituiçao ou como coadjuvante do Ca, se faz necessária. Finalmente, a monitoraçao do PTH deve ser trimestral para identificaçao e intervençao precoces de possíveis elevaçoes do hormônio e, também, para intervençao no caso de níveis muito reduzidos. Essas medidas sao importantes na prevençao de recidivas e detecçao precoce de persistência do HPS ou mesmo do hipoparatireoidismo e suas consequências.

REFERENCIAS

1. K/DOQI Clinical practice guidelines for bone metabolism and disease in chronic kidney disease. Guideline 14. Parathyroidectomy in patients with CKD. Am J Kidney Dis. 2003; 23:S127-9. Disponível em: http://www.kidney.org/professionals/kdoqi/guidelines_ bone/guide14.htm

2. Kidney Disease. Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD-MBD Work Group. KDIGO clinical practice guideline for the diagnosis, evaluation, and treatment of chronic clinical disease-mineral and bone disorder (CKD-MBD). Chapter 4.2: Treatment of abnormal PTH levels in CKD-MBD. Kidney Int. 2009; 76(113):S50-99.

3. Uhlig K, Berns JS, Kestenbaum B et al. KDOQI US commentary on the 2009 KDIGO clinical practice guideline for the diagnosis, evaluation, and treatment of CKD-mineral and bone disorder (CKD-MBD). AJKD 2010; 55:773-99.

4. Cunningham J, Danese M, Olson K, Klassen P, Chertow GM. Effects of the calcimimetic HCl on cardiovascular disease, fracture, and health-related quality of life in secondary hyperparathyroidism. Kidney Int. 2005; 68:1793-800.

5. Tomic Brzac H, Pavlovic D, Halbauer M, Pasini J. Parathyroid sonography in secondary hyperparathyroidism: correlation with clinical findings. Nephrol Dial Transplant. 1989; 4:45-50.

6. Takebayashi S, Matsui K, Onohara Y, Hidai H. Sonography for early diagnosis of enlarged parathyroid glands in patients with secondary hyperparathyroidism. Am J Roentgenol.1987; 148:911-4.

7. Olaizola I, Zingraff J, Heuguerot C et al. [(99m)Tc]- sestamibi parathyroid scintigraphy in chronic haemodialysis patients: static and dynamic explorations. Nephrol Dial Transplant. 2000; 15:1201-6.

8. Tominaga Y, Tanaka Y, Sato K, Nagasaka T, Takagi H. Histopathology, pathophysiology, and indications for surgical treatment of renal hyperparathyroidism. Semin Surg Oncol. 1997; 13:78-86.

9. Jofré R, López Gómez JM, Menárguez J et al. Parathyroidectomy: whom and when? Kidney Int Suppl. 2003; (85):S97-100.

10. Katoh N, Nakayama M, Shigematsu T et al. Presence of sonographically detectable parathyroid glands predict resistance to oral pulsed-dose calcitriol treatment of secondary hyperparathyroidism. Am J Kidney Dis. 2000; 35:465-8.

11. Rostaing L, Moreau-Gaudry X, Baron E, Cisterne JM, Monroziès-Bernadet P, Durand D. Changes in blood pressure and renal function following subtotal parathyroidectomy in renal transplant patient presenting with persistent hypercalcemic hyperparathyroidism. Clin Nephrol. 1997; 47:248-55.

12. Accetta P, Accetta I, Cruz EAS et al. Paratireoidectomia subtotal no tratamento do hiperparatireoidismo secundário à doença renal crônica. Braz. J. Nephrol. (J. Bras. Nefrol.). 2006; 28:65-71.

13. Proye C, Carnaille B, Sautier M. Hyperparathyroidism in patients with chronic renal failure: subtotal parathyroidectomy or total parathyroidectomy with autotransplantation? Experience with 121 cases. J Chir (Paris) 1990; 127:136-40.

14. Gagné ER, Ureña P, Leite-Silva S et al. Short- and longterm efficacy of total parathyroidectomy with immediate autografting compared with subtotal parathyroidectomy in hemodialysis patients. J Am Soc Nephrol. 1992; 3:1008-17.

15. Gioviale MC, Gambino G, Maione C et al. Use of monitoring intraoperative parathyroid hormone during parathyroidectomy in patients on waiting list for renal transplantation. Transplant Proc. 2007; 39:1775-8.

16. Ohe MN, Santos RO, Kunii IS et al. Usefulness of intraoperative PTH measurement in primary and secondary hyperparathyroidism: experience with 109 patients. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2006; 50:869-75.

17. Nilsen FS, Haug E, Heidemann M, Karlsen SJ. Does rapid intraoperative parathyroid hormone analysis predict cure in patients undergoing surgery for primary hyperparathyroidism? A prospective study. Scand J Surg. 2006; 95:28-32.

18. Cozzolino M, Gallieni M, Corsi C, Bastagli A, Brancaccio D. Management of calcium refilling post-parathyroidectomy in end-stage renal disease. J Nephrol. 2004; 17:3-8.

19. Kaye M, Rosenthall L, Hill RO, Tabah RJ. Long-term outcome following total parathyroidectomy in patients with end-stage renal disease. Clin Nephrol. 1993; 39:192-7.

20. Cruz DN, Perazella MA. Biochemical aberrations in a dialysis patient following parathyroidectomy. Am J Kidney Dis. 1997; 29:759-62.

21. Nagakawa M, Emoto A, Nasu N et al. Calcium supplement necessary to correct hypocalcemia after total parathyroidectomy for renal osteodystrophy. Int J Urol. 2000; 7:35-40.

22. Clair F, Leenhardt L, Bourdeau A et al. Effect of calcitriol in the control of plasma calcium after parathyroidectomy. A placebo-controlled, double-blind study in chronic hemodialysis patients. Nephron. 1987; 46:18-22.

23. Mazzaferro S, Chicca S, Pasquali M et al. Changes in bone turnover after parathyroidectomy in dialysis patients: role of calcitriol administration. Nephrol Dial Transplant. 2000; 15:877-82.

24. Shpitz B, Korzets Z, Dinbar A et al. Immediate postoperative management of parathyroidectomized hemodialysis patients. Dial Transplant. 1986; 15:507.

25. Torralbo A, Portoles J, Perez Perez AJ, Barrientos A. Hypomagnesemic hypocalcemia in chronic renal failure. Am J Kidney Dis. 1993; 21:167-71.

26. Lentz RD, Brown DM, Kjellstrand CM. Treatment of severe hypophosphatemia. Ann Intern Med. 1978; 89:941-4.

Paratireoidectomia na DRC

Comentários