J. Bras. Nefrol. 2000;22(suppl. 5):1-3.

Diretrizes da Sociedade Brasileira de Nefrologia para a condução da anemia na insuficiência renal crônica

O principal objetivo do tratamento do paciente portador de insuficiência renal crônica consiste na promoçao do seu restabelecimento social. Para alcançar esse objetivo, o nefrologista deve procurar corrigir todas as alteraçoes que acompanham a perda de funçao renal.

A anemia é uma grave conseqüência da insuficiência renal crônica, sendo causada principalmente pela produçao renal insuficiente de eritropoetina. Ela é caracteristicamente normocrômica e normocítica. Provoca incapacidade física e mental, sendo responsável pela reduçao da sobrevida e da qualidade de vida desses pacientes. A anemia estigmatiza o paciente portador de insuficiência renal, pois acarreta palidez cutânea, conferindo-lhe um aspecto de doente, prejudicando de maneira importante sua recuperaçao social.

A diretoria da Sociedade Brasileira de Nefrologia, juntamente com o Departamento de Diálise e Transplante da Sociedade Brasileira de Nefrologia, com apoio da Byk Química e Farmacêutica Ltda, reuniu no dia 17 de junho de 2000, na cidade de Sao Paulo, um grupo de nefrologistas e de hematologistas com o objetivo de redigir diretrizes no sentido de padronizar e otimizar o tratamento da anemia que acompanha a insuficiência renal crônica no nosso meio.

O tema da anemia na insuficiência renal crônica foi dividido em diversos itens, sendo que cada colega convidado estudou e preparou uma apresentaçao sobre o seu item e, após cada apresentaçao, o grupo realizou ampla discussao e as diretrizes foram formuladas.

Abaixo estao expostas, de maneira sumária, as principais diretrizes formuladas pelo grupo para o tratamento da anemia na insuficiência renal crônica, sendo que elas estao apresentadas de forma mais detalhada e acompanhadas de suas respectivas justificativas, nos artigos que compoem este suplemento.

Antes de iniciar o tratamento com eritropoetina nos pacientes portadores de insuficiência renal crônica, deve-se avaliar o paciente com o intuito de afastar outras causas de anemia nao associadas com a falta de eritropoetina e de quantificar as reservas de ferro, pois em situaçoes de deficiência de ferro, a resposta ao tratamento com eritropoetina será inadequada. Para avaliaçao dos estoques de ferro sao recomendados os seguintes exames: saturaçao de transferrina e ferritina sérica.

O diagnóstico de deficiência de ferro será feito quando a concentraçao sérica de ferritina for menor que 100 ng/ml e/ou a saturaçao de transferrina for menor que 20%.

O nível de ferritina sérica deverá ser mantido entre 200 ng/ml a 500 ng/ml e a saturaçao de transferrina entre 25% e 40%. A maior parte dos pacientes portadores de insuficiência renal crônica necessitarao receber ferro endovenoso para repor adequadamente seus estoques de ferro.

Durante o início da terapia com eritropoetina e quando se aumenta a dose de eritropoetina com o intuito de alcançar níveis mais elevados de Ht/Hb, deve-se monitorizar mensalmente a saturaçao de transferrina e o nível sérico de ferritina nos pacientes que nao estejam recebendo ferro endovenoso e a cada 3 meses nos pacientes que estejam recebendo ferro endovenoso, até que os níveis almejados de Ht/Hb sejam atingidos. Depois que os níveis alvos de Ht/Hb forem atingidos, a monitorizaçao da saturaçao de transferrina e do nível sérico de ferritina deverá ser realizada pelo menos a cada 3 meses.

A administraçao de ferro endovenoso deverá ser descontinuada pelo menos 7 a 10 dias antes da aferiçao da saturaçao de transferrina e do nível sérico de ferritina.

Se a saturaçao de transferrina for menor que 20% e/ou o nível sérico de ferritina for menor do que 100 ng/ml, recomenda-se administrar 100 mg de ferro por via endovenosa nas próximas 10 sessoes de hemodiálise. Quando a saturaçao de transferrina for maior que 20% e/ou o nível sérico de ferritina for maior do que 100 ng/ml, recomenda-se a administraçao endovenosa de 100 mg de ferro, uma vez por semana ou a cada 15 dias. Nos pacientes que apresentarem saturaçao de transferrina superior a 40% e/ou nível sérico de ferritina maior que 500 ng/ml, a administraçao de ferro deverá ser suspensa por 3 meses, quando os parâmetros de ferro deverao ser novamente reavaliados e, se a saturaçao de transferrina for inferior a 40% e o nível sérico de ferritina for inferior a 500 ng/ml, deverá ser reiniciada a administraçao de ferro numa dose reduzida, em torno da metade.

Até recentemente recomendava-se manter os pacientes com Ht em tor¬ no de 30% e Hb de 10 g/dl, mas atualmente está sendo indicado níveis de Ht entre 33% e 36% e de Hb entre 11 g/dl e 12 g/dl, por estarem associados à maior sobrevida dos pacientes em diálise, diminuiçao da hipertrofia ventricular, melhora da qualidade de vida e melhora da capacidade de exercí¬ cio. A normalizaçao do hematócrito de pacientes portadores de insuficiên¬ cia renal crônica nao está sendo indicada, no presente momento, por falta de evidências comprovatórias a respeito da segurança de tal procedimento.

A eritropoetina deverá ser administrada por via subcutânea nos pacientes em tratamento conservador e em programa de diálise peritoneal. Deverá, também, ser administrada preferencialmente por via subcutânea nos pacientes em programa de hemodiálise, pois em média, a administraçao subcutânea de eritropoetina é mais eficiente do que a endovenosa.

Quando se emprega a via subcutânea, a dose recomendada é de 80-100 unidades/kg/semana dividida em 2 a 3 doses. Quando se usa a via endovenosa, a dose recomendada é de 120-180 unidades/kg/semana, dividida em 3 doses.

Com o propósito de monitorizar a resposta à eritropoetina, Ht/Hb devem ser aferidos a cada 1 a 2 semanas após o início do tratamento e após um aumento ou decréscimo de dose, até que valores-alvo estáveis de Ht/Hb sejam atingidos. Quando valores-alvo de Ht/Hb forem atingidos, Ht/Hb deverao ser monitorizados a cada 2 a 4 semanas.

Se o Ht nao se elevar em 2 pontos percentuais em 2-4 semanas após o início da terapia com eritropoetina ou após o aumento da dose de eritropoetina, deve-se aumentar a dose de eritropoetina em 50%. Se ocorrer um aumento de 8 pontos percentuais por mês ou se o Ht superar o valor-alvo após o início da terapia com eritropoetina ou após o aumento da dose de eritropoetina, deve-se reduzir a dose semanal de eritropoetina em 25%.

Causas de resposta inadequada à eritropoetina: (1) a causa mais comum de resposta incompleta à eritropoetina é a deficiência de ferro; (2) outras causas:

  • processos infecciosos ou inflamatórios;
  • perda crônica de sangue;
  • osteíte fibrosa;
  • intoxicaçao por alumínio;
  • hemoglobinopatias;
  • deficiência de folato ou vitamina B12;
  • mieloma múltiplo;
  • desnutriçao;
  • hemólise.

Com relaçao aos possíveis efeitos adversos que ocorrem com o emprego de eritropoetina, é importante salientar que 23% dos pacientes desenvolvem hipertensao arterial ou apresentam elevaçao da pressao arterial com o emprego de eritropoetina. Portanto, a pressao arterial deve ser monitorizada em todos os pacientes com insuficiência renal crônica, particularmente durante o início da terapia com eritropoetina. Início de terapia com antihipertensivos ou aumento da dose dos anti-hipertensivos e reduçao da dose de eritropoetina se ocorreu um rápido aumento do Ht/Hb devem ser necessários para o controle da elevaçao da pressao arterial relacionada ao emprego de eritropoetina.

Outras recomendaçoes e comentários sobre o uso de eritropoetina estao apresentadas neste suplemento.

O objetivo principal da elaboraçao destas diretrizes é nortear e nao cercear os médicos envolvidos no tratamento da anemia que acompanha os pacientes portadores de insuficiência renal crônica. A medicina é muito complexa e cada caso deve ser analisado individualmente, de modo que condutas padronizadas nem sempre respondem às necessidades de cada situaçao clínica. Inclusive, poderá ser verificado que algumas sugestoes de condutas, elaboradas pelos diversos colaboradores deste suplemento, apresentam pontos de vista diferentes, sendo que a filosofia editorial foi publicar esses distintos enfoques, de modo que os leitores tomem conhecimento das dificuldades e das controvérsias que ainda existem sobre esse tema.

Hugo Abensur
Coordenador do Departamento de Diálise e Transplante da SBN

Maria Almerinda R Alves
Secretária-geral da SBN

Diretrizes da Sociedade Brasileira de Nefrologia para a condução da anemia na insuficiência renal crônica

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