J. Bras. Nefrol. 2001;23(suppl. 1):1-2.

Tratamento anti-hipertensivo e proteção renal

Osvaldo Kohlmann Jr.

A hipertensao arterial é considerada um dos principais fatores de risco para a morbidade e mortalidade cardiovascular.

Diversos órgaos sao afetados pelos níveis tensionais elevados, destacando-se cérebro, coraçao, vasos e rins.

A lesao renal acarretada pela hipertensao arterial caracteriza-se por alteraçoes progressivas funcionais e anatômicas do capilar glomerular, que culminam com o quadro de esclerose glomerular.

A velocidade de instalaçao e de progressao da esclerose glomerular conseqüente à hipertensao arterial guarda relaçao com a severidade do estado hipertensivo e com a presença de fatores de risco associados, como o diabetes mellitus e a dislipidemia.

A evoluçao desta esclerose glomerular determina, com o passar dos anos, quadro clínico de insuficiência renal crônica terminal, necessitando o paciente ser submetido a procedimentos substitutivos da sua própria filtraçao glomerular, como a diálise crônica e o transplante renal.

É conhecido que cerca de 40% a 50% dos pacientes atualmente sob procedimento dialítico no país têm a hipertensao arterial como a causa primária para o quadro de insuficiência renal crônica terminal.

Por outro lado, sabe-se que o controle da hipertensao arterial, com quase todos os anti-hipertensivos disponíveis, acompanha-se de reduçao da morbidade e da mortalidade cardiovascular.

Para o lado renal, esta observaçao é particularmente verdadeira quando o nível tensional é muito elevado (hipertensao arterial severa e maligna) ou quando existem fatores de risco associados como, por exemplo, o diabetes mellitus.

Se, por um lado, a literatura demonstra que a reduçao dos níveis tensionais “per-se” acompanha-se de reduçao da progressao da lesao renal, por outro tem sido relatado que, para reduçoes pressóricas semelhantes, existem diferenças entre os anti-hipertensivos quanto ao grau de proteçao renal.

Assim, estudos têm demonstrado que drogas como diuréticos e betabloqueadores apresentam potencial de proteçao renal menor que outras classes como inibidores da enzima de conversao da angiotensina (ECA), antagonistas do receptor da angiotensina II e antagonistas dos canais de cálcio.

Alguns estudos demonstram, inclusive, que os diuréticos em decorrência da depleçao de volume podem determinar piora da funçao. Esta observaçao é particularmente relevante em pacientes idosos que recebam doses de diurético pouco mais elevadas.

Os betabloqueadores, quando utilizados em pacientes hipertensos com grau moderado de insuficiência renal, podem determinar, em decorrência da reduçao do débito cardíaco e conseqüente do aporte de sangue ao rim (reduçao do fluxo plasmático renal), piora da filtraçao glomerular, acarretando inclusive uma antecipaçao da indicaçao de procedimento dialítico para esses pacientes.

Já o emprego de compostos anti-hipertensivos da classe dos inibidores da enzima de conversao tem se acompanhado de importante proteçao renal, especialmente em hipertensos diabéticos, mas também naqueles com hipertensao essencial, mesmo quando a reduçao da pressao arterial nao é muito intensa. Os poucos estudos existentes com os antagonistas dos receptores da angiotensina II sugerem um grau de proteçao renal semelhante ao conferido pelos inibidores da ECA.

Em relaçao à capacidade de nefroproteçao dos antagonistas dos canais de cálcio, existe um certo grau de controvérsia na literatura. Assim, em alguns estudos, especialmente com pacientes hipertensos diabéticos, demonstrava-se efeito neutro ou mesmo negativo de antagonistas de cálcio dihidropiridínicos sobre a excreçao urinaria de albumina, parâmetro utilizado freqüentemente como índice de lesao do capilar glomerular. Por outro lado, em alguns estudos com antagonistas de cálcio da família da fenilalquilaminas, demonstrava-se efeito benéfico sobre a excreçao urinaria de albumina. Deve-se lembrar que esses estudos foram feitos predominantemente em pacientes hipertensos diabéticos e que praticamente nao existiam grandes estudos em pacientes hipertensos essenciais avaliando a capacidade de nefroproteçao dessa classe de anti-hipertensivos.

Recentemente, foi concluído e publicado (The Lancet 2000;356:366-72) o primeiro estudo duplo-cego de longa duraçao em hipertensos essenciais com diferentes fatores de risco cardiovascular associados, comparativos entre o antagonista de cálcio dihidropiridínico de longa açao, a nifedipina oros e o tratamento convencional com a associaçao de diuréticos. Esse estudo recebeu o nome de Adalat Insight Study.

Aproximadamente 6.300 pacientes hipertensos essenciais foram seguidos por cerca de quatro anos, sendo metade deles tratados com doses crescentes de nifedipina oros, e a outra metade com doses tituladas da associaçao de diuréticos tiazídico e outro retentor de potássio. Se necessário, para a obtençao do controle pressórico, um betabloqueador ou inibidor da ECA foi associado.

Alem de semelhante eficácia anti-hipertensiva, observou-se capacidade de reduçao de eventos cardiovasculares similares com os dois regimes terapêuticos.

Entretanto, para alguns parâmetros avaliados, observaram-se impactos significativamente diferentes quando os dois regimes terapêuticos foram comparados. Entre eles destaca-se o efeito sobre a funçao renal.

Como pode ser observada na Figura 1, a filtraçao glomerular basal dos pacientes de ambos os grupos estava reduzida para cerca de 60% a 65% dos valores normais (ao redor de 75 ml/minuto para um valor normal ao redor de 120 ml/min). Isto é, os pacientes apresentavam um certo grau de insuficiência renal.


Figura 1 – Filtraçao glomerular estimada

O tratamento com a associaçao de diuréticos acompanhou-se de reduçao adicional de cerca de 10% a 12% no ritmo da filtraçao glomerular durante os quatro anos de seguimento. Contrariamente, o tratamento com a nifedipina oros manteve os valores da filtraçao glomerular estáveis, impedindo, assim, a progressao da lesao renal durante este período de seguimento. Portanto, o tratamento com o antagonista de cálcio dihidropiridínico, nifedipina oros, acompanhou-se de nefroproteçao, o que nao foi observado com a associaçao de diuréticos. Esse efeito renoprotetor da nifedipina oros também ficou evidente quando se avaliou a deterioraçao da funçao como um efeito adverso relatado pelos investigadores. Como pode ser observado na Figura 2, o relato de piora da funçao renal foi cerca de 2,5 vezes maior para o grupo de pacientes tratados com a associaçao de diuréticos (4,6%) do que para o pacientes tratados com nifedipina oros (1,8%).


Figura 2 – Evoluçao da funçao renal com os dois tipos de tratamento

Portanto, com o Adalat Insight Study, demonstrouse a capacidade de proteçao renal oferecida pela nifedipina oros quando administrada a pacientes hipertensos essenciais, que já apresentam algum grau de reduçao na taxa de filtraçao glomerular.

Possivelmente, pelo menos parte dessa açao benéfica sobre o rim decorre do efeito de reversao da lesao vascular, também já demonstrada para a nifedipina oros, uma vez que, conforme já se apontou, a lesao renal decorrente da hipertensao arterial se deve às alteraçoes funcionais e estruturais do capilar glomerular.

Disciplina de Nefrologia da Universidade Federal do Estado de Sao Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM).

Endereço para correspondência:
Osvaldo Kohlmann Jr.
Rua Botucatu, 740, Vila Clementino
04023-900 Sao Paulo-SP
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E-mail: kohlmann@nefro.epm.br

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