J. Bras. Nefrol. 2002;24(1 suppl. 1):18-25.

Comparação da nefrotoxicidade experimental de duas formulações de microemulsão de ciclosporina A

Glória Elisa F Mendes, Emmanuel A Burdmann

Comparison between the experimental nephrotoxicity of two cyclosporine A microemulsion formulations

 

Resumo:

Introduçao/Objetivos: O custo elevado das drogas usadas nos esquemas imunossupressores de doentes transplantados tem levado à procura de opçoes para a diminuiçao de gastos relacionados a seu uso. Uma das alternativas propostas é a utilizaçao de drogas genéricas menos caras em vez de drogas de referência. Evidentemente, essa manobra só poderá ser realizada se a droga genérica for similar à droga de referência em termos de bioequivalência, eficácia e toxicidade. O objetivo deste estudo foi comparar a nefrotoxicidade de uma nova formulaçao de microemulsao de ciclosporina A genérica (Sigmasporin, CsA 1) à microemulsao de referência (Sandimmun, CsA 2). Métodos: Utilizou-se um modelo experimental de nefrotoxicidade crônica de CsA, em que a depleçao de sal na dieta provoca fibrose intersticial e queda da filtraçao glomerular em ratos tratados com CsA similares às observadas em pacientes com nefrotoxicidade crônica pela droga. Os animais, mantidos em dieta hipossódica (0,06% de sal), foram divididos em três grupos de tratamento: CSA 1, recebendo 15 mg/kg/dia de Sigmasporin por gavagem; Csa 2, recebendo 15 mg/kg/dia de Sandimmun por gavagem; e grupo-controle, recebendo apenas o veículo das drogas ativas por gavagem na dose de 1 ml/kg/dia. Resultados: Após três semanas de tratamento, as duas formulaçoes de CsA provocaram quedas similares da filtraçao glomerular medida pela depuraçao de inulina (0,26±0,06 ml/min/100 g no grupo CsA 1; 0,35±0,05 ml/min/100 g no grupo CsA 2; e 1,00±0,04 ml/min/100 g no grupo-controle; p<0,001 para ambos os grupos recebendo CsA versus o grupo-controle). Da mesma forma, as duas formulaçoes de CsA causaram elevaçao semelhante da creatinina sérica (0,98±0,06 mg/dl no grupo CsA 1; 0,85±0,05 mg/dl no grupo CsA 2; e 0,59±0,01 mg/dl no grupo-controle; CsA 1 vs CsA 2, NS; CsA 1 vs controle, p<0,001; CsA 2 vs controle, p<0,01). Finalmente, as duas microemulsoes de CsA induziram de maneira análoga fibrose intersticial e atrofia tubular renal de grau moderado a grave, enquanto os animais tratados com o veículo nao apresentaram alteraçoes histológicas em tecido renal. O nível sangüíneo de CsA obtido com as duas formulaçoes foi praticamente o mesmo (2.176±386 ng/ml com a CsA 1 e 2.137±385 ng/ ml com a CsA 2). Conclusoes: Essa nova formulaçao genérica de microemulsao de CsA (Sigmasporin) apresentou perfil de nefrotoxicidade experimental funcional e estrutural absolutamente similar à microemulsao de referência (Sandimmun).

Descritores: Ciclosporina A. Microemulsao. Genéricos. Nefrotoxicidade. Fibrose renal.

Abstract:

Introduction/Objective: The high cost of the drugs used in immunosuppressive schedules for transplant recipients has stimulated the search for plausible options of cost reduction. One possible alternative is the use of less expensive generic drugs instead of branded drugs. Evidently this option is only viable if the generic drug is bioequivalent, has similar efficacy and toxicity as more expensive branded drugs. The aim of this study was to compare the nephrotoxicity of a new generic microemulsion formulation of CsA (Sigmasporin, CsA 1) with the brand name microemulsion (Sandimmun, CsA 2). Methods: An experimental model was used, in which salt depletion induces renal interstitial fibrosis and renal failure in CsA-treated rats, similar to that observed in clinical CSA-induced chronic nephrotoxicity. The animals were kept in a low salt-diet (0.06% salt) and were divided in three treatment groups: CSA 1, treated with 15 mg/kg/day of Sigmasporin by gavage; CsA 2, treated with 15 mg/kg/day of Sandimmun by gavage; and a control group, receiving 1 ml/kg/ day of the active drug vehicle only. Results After 3 weeks of treatment both CsA formulations caused similar decrease in glomerular filtration rate measured by inulin clearance (0.26±0.06 ml/min/100 g in CsA 1; 0.35±0.05 ml/min/100 g in CsA 2, and 1.00±0.04 ml/min/100 g in the control group, p<0.001 for both CsA groups versus control group). Likewise, both CsA formulations produced similar increase of serum creatinine (0.98±0.06 mg/dl in CsA 1; 0.85±0.05 mg/dl in CsA 2, and 0.59±0.01 mg/dl in control group; CsA 1 vs. CsA 2, NS; CsA 1 vs. control, p<0.001; CsA 2 vs. control, p<0.01). Both CsA microemulsion formulations caused analogous moderate-to-severe renal interstitial fibrosis and tubular atrophy, while vehicle-treated animals did not show any histological renal changes. CsA blood levels obtained for the two drug formulations were almost similar (2176±386 ng/ml for CsA 1 and 2137±385 ng/ml for CsA 2). Conclusions: The new generic CsA microemulsion formulation (Sigmasporin) showed an experimental functional and structural nephrotoxicity profile absolutely similar to the brand name microemulsion (Sandimmun).

Descriptors: Cyclosporine A. Microemulsion. Generic drugs. Nephrotoxicity. Renal fibrosis.

INTRODUÇAO

A ciclosporina A (CsA) é um peptídeo cíclico de 11 aminoácidos, hidrofóbico, solúvel em lipídeos e em outros solventes orgânicos, característica responsável por seu grande volume de distribuiçao e concentraçoes teciduais elevadas. Essa droga tem potente atividade imunossupressora, considerada singular por seus efeitos seletivos sobre linfócitos. Seu uso clínico revolucionou o transplante de órgaos sólidos, reduzindo significativamente a morbidade e a incidência de rejeiçao aguda. Tem sido empregada também em transplante de medula óssea e no tratamento de diversas doenças auto-imunes, como psoríase, lupus, glomerulopatias, diabetes mellitus, artrite reumatóide, uveítes e esclerodermia.1-4

A principal açao da CsA é a inibiçao da via de transduçao para a síntese de linfocinas, especialmente a interleucina-2. A droga pode inibir a expressao de receptores para a interleucina-2 nas células que respondem a essa linfocina. O efeito inibitório sobre a produçao de IL-2 deve-se à açao relativamente seletiva sobre a transcriçao do gene da IL-2. A interaçao do antígeno com o receptor das células TA leva a um aumento do cálcio intracelular pela via do trifosfato de inositol (InsP3). O cálcio, juntamente com a calmodulina, estimula a calcineurina, uma fosfatase que ativa diversos fatores de transcriçao citosólicos, incluindo os da interleucina-2. A CsA liga-se a uma proteína citoplasmática denominada ciclofilina, e o complexo ciclosporina- ciclofilina liga-se à calcineurina, bloqueando a ativaçao dos fatores de transcriçao e, conseqüentemente, a produçao de interleucina-2.1

O efeito colateral mais importante da CsA é sua nefrotoxicidade, que pode apresentar-se de forma aguda ou crônica. A nefrotoxicidade aguda caracteriza-se por comprometimento renal de natureza funcional e reversível, sem a presença de alteraçoes histológicas renais significativas. Clinicamente manifesta-se por elevaçoes assintomáticas na creatinina sérica, por demora na recuperaçao da funçao renal após o transplante renal por insuficiência renal aguda e, mais raramente, por síndrome hemolítico-urêmica. Essa forma de nefrotoxicidade é mediada por intensa vasoconstriçao da arteríola aferente.2-4

A nefrotoxicidade crônica caracteriza-se pelo desenvolvimento no parênquima renal de fibrose intersticial irreversível, atrofia tubular e hialinose da arteríola aferente acompanhadas por queda progressiva da filtraçao glomerular. Sua etiopatogenia parece estar relacionada à isquemia mantida por vasoconstriçao préglomerular e ativaçao direta pela CsA de fatores pró-fibrogênicos em tecido renal. Essa forma de nefrotoxicidade é provavelmente o maior fator limitante para o uso clínico da CsA, estando relacionada a perda crônica de funçao em enxerto renal, desenvolvimento de insuficiência renal crônica terminal em transplantes cardíacos e hepáticos, fibrose renal e alteraçoes funcionais em pacientes com doenças auto-imunes tratados com CsA.5-7

O desenvolvimento de um modelo de nefrotoxicidade crônica por CsA em ratos, por meio de manobra de restriçao de sal na dieta, permitiu importantes avanços na compreensao de possíveis mecanismos da gênese dessa lesao. Esse modelo caracteriza-se por utilizar doses da droga próximas àquelas usadas na prática clínica e por reproduzir as alteraçoes funcionais e histológicas encontradas em pacientes com nefropatia crônica por CsA.8-10

O benefício auferido por pacientes transplantados em funçao do advento da CsA é indiscutível, pois a droga aumentou a sobrevida do enxerto, no primeiro ano pós-transplante, de 50% para 80% a 90%. No entanto, os custos dos medicamentos imunossupressores sao elevados. No primeiro ano de transplante, o custo da imunossupressao corresponde a 15% a 20% do valor total do procedimento, e, nos anos subseqüentes, esse custo passa a representar 90% do total gasto com o paciente transplantado. A reduçao nos gastos com agentes imunossupressores diminuiria o custo do transplante, podendo ampliar seu benefício para muitos outros pacientes. Uma das alternativas que vêm sendo propostas para esse objetivo é a substituiçao de drogas de referência por drogas genéricas com perfil farmacocinético, com eficácia e toxicidade similares às das drogas de referência, porém com custo substancialmente mais reduzido.11-13

O objetivo do presente estudo foi a comparaçao da nefrotoxicidade experimental de uma microemulsao genérica de CsA (Sigmasporin Microoral, Sigma Pharma, Brasil) com a droga de referência (Sandimmun Neoral, Novartis, Brasil), utilizando-se um modelo experimental consistente de nefrotoxicidade crônica da CsA.

MÉTODOS

Animais e dieta

Foram utilizados ratos Munich-Wistar machos, pesando de 220 g a 230 g, provenientes de uma colônia mantida no Biotério da Faculdade de Medicina de Sao José do Rio Preto (Famerp), SP, Brasil. Os animais receberam dieta pobre em sal (0,06%) e normoprotéica (25%) (Teklad,WI, EUA), iniciada uma semana antes do tratamento e mantida durante todo o período de estudo. Os animais receberam água à vontade durante todo o estudo.

Tratamento

Os animais foram divididos em três grupos e tratados durante três semanas:

  • grupo CsA 1 recebeu diariamente soluçao de 15 mg/ ml de Sigmasporin Microoral na dosagem de 15 mg/ kg por gavagem;
  • grupo CsA 2 recebeu diariamente soluçao de 15 mg/ ml de Sandimun Neoral na dosagem de 15 mg/kg por gavagem;
  • grupo-controle recebeu diariamente 1 ml/kg da soluçao diluente das drogas ativas por gavagem.

Protocolo básico

Após uma semana de dieta pobre em sal, os animais foram divididos aleatoriamente em três grupos e tratados por três semanas. Os animais foram pesados diariamente durante todo o período de estudo.

Após a administraçao das drogas ou do diluente no 21º dia de tratamento, os ratos foram colocados em gaiolas metabólicas (Nalgene, EUA), e o volume urinário foi coletado por 24 horas. Após o término dessa coleta, os animais foram submetidos à medida de filtraçao glomerular.

Ritmo de filtraçao glomerular (depuraçao de inulina)

Os ratos foram anestesiados com tionembutal (50 mg/kg) por meio de injeçao intraperitoneal e colocados em cama cirúrgica aquecida (Braile Biomédica, Brasil). A temperatura corporal do animal foi mensurada continuamente por todo o experimento e mantida a 37±1ºC. Após a anestesia, realizaram-se traqueostomia (PE 90), cateterizaçao da veia jugular (PE 50) para a infusao de soluçoes e cateterizaçao da artéria carótida (PE-50) para medida contínua da pressao arterial e coleta de sangue. Em seguida, realizou-se uma incisao mediana para cistostomia com cateter (PE 160) suturado na bexiga. A uretra foi ligada para evitar perdas de urina. Após a realizaçao da cateterizaçao de artéria carótida, coletou-se 1 ml de sangue, reposto com 1 ml de soluçao de NaCl 0,9%, que foi reservado para dosagens posteriores de creatinina, sódio, potássio e osmolalidade.

Após o término da preparaçao cirúrgica, os animais receberam 1 ml de soluçao de inulina (0,3 mg de inulina em 12 ml de soluçao fisiológica) e 5 ml de soluçao de NaCl 0,9% por veia jugular. Nesse momento, iniciou-se infusao contínua de soluçao de inulina (0,3 mg de inulina em 12 ml de soluçao fisiológica) na velocidade de 0,06 ml/min (bomba de infusao Harvard, EUA) pela veia jugular. Após 60 min de estabilizaçao, iniciou-se coleta de urina em tubos previamente pesados, por três períodos consecutivos de 20 minutos cada, com coleta de 0,3 ml de sangue na metade de cada período da coleta de urina. Após a coleta de sangue, o mesmo volume foi reposto imediatamente com soluçao de NaCl 0,9% pela veia jugular. A pressao arterial intracarotídea foi medida durante todo o experimento por um transdutor conectado a um registrador de pressao. Ao final do experimento, foram coletados 3 ml de sangue para dosagem de ciclosporina, e realizou-se nefrectomia do rim esquerdo para análise histológica. Ao término desses procedimentos, procedeu-se à eutanásia do animal com uma dose adequada do anestésico empregado.

O volume urinário foi determinado pela diferença de peso dos tubos de coleta de urina. As dosagens de inulina sérica e urinária foram realizadas pelo método da antrona (espectofotômetro Biosystems BTS 310, EUA). A filtraçao glomerular foi determinada pela fórmula habitual. Os valores utilizados em cada animal correspondem à média dos três valores determinados.

Dosagens bioquímicas e osmolalidade

As amostras de urina de 24 horas e o sangue coletado antes de iniciar o procedimento de depuraçao de inulina foram utilizados para dosagem de creatinina (Espectofotômetro Biosystems BTS 310, EUA), sódio e potássio (Eletrodo específico AVL 9180, EUA) e osmolalidade (ponto de congelamento, osmômetro Osmette A, EUA). Os valores obtidos foram utilizados para os cálculos de fraçao de excreçao de sódio e fraçao de excreçao de potássio pelas fórmulas habituais.

Dosagem de ciclosporina no sangue

Os 3 ml de sangue coletados ao final do experimento foram colocados em tubo contendo 0,1 ml de EDTA 10% e armazenados a -20ºC para determinaçao dos níveis de ciclosporina em sangue total por anticorpo monoclonal (Laboratório Fleury, Sao Paulo, SP).

Estudo histológico

O material proveniente da nefrectomia foi imerso em soluçao de formol a 4%, embebido em parafina e processado em cortes de 1 um a 3 um de espessura. Para a análise histológica, utilizaram-se as coloraçoes do ácido periódico de Schiff (PAS), hematoxilina-eosina, tricrômio de Masson e PAS.

Análise estatística

Os dados estao apresentados como média ± erropadrao. As comparaçoes entre os três grupos foram feitas por Anova seguida pelo pós-teste de Tukey, quando adequado. As comparaçoes entre os resultados dos níveis sanguíneos de ciclosporina foram realizadas pelo teste t de Student, bicaudal, nao-pareado. Definiu-se como nível de significância um p<0,05.

RESULTADOS

O peso final dos animais foi de 294 g±5 g no grupo- controle; de 239 g±13 g no grupo CsA 1 (p<0,01 vs. controle); e de 256 g±10 g no grupo CsA 2 (p<0,05 vs. controle). A análise do ganho de peso diário mostrou que os animais do grupo-controle ganharam 18,9 g±2,5 g, enquanto os animais do grupo CsA 1 perderam 19,5 g±11,9 g (p<0,05 vs. controle), e os animais do grupo CsA 2 perderam 8,3 g±8,3 g (NS vs. controle) no período estudado (Figura 1).


Figura 1 – Peso final e variaçao de peso em animais depletados em sal e tratados com Sigmasporin 15 mg/kg (CsA1), Sandimum 15 mg/kg (CsA2) ou veículo 1 ml/kg por três semanas.

Pressao arterial

A pressao arterial intracarotídea no grupo-controle após três semanas de tratamento foi de 126 mmHg±5 mmHg contra 101 mmHg±6 mmHg no grupo CsA 1 (p<0,01 vs. controle) e de 114 mmHg±5 mmHg no grupo CsA 2 (NS vs. controle). Nao houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos recebendo CsA.

Funçao renal

Ambos os grupos recebendo CsA apresentaram queda extremamente importante do RFG em relaçao ao grupo-controle: 0,26 ml/min/100 g±0,06 ml/min/100 g no grupo CsA 1; 0,35 ml/min/100 g±0,05 ml/min/100 g no grupo CsA 2; e 1,00±0,04 ml/min/100 g no grupo-controle; p<0,001 para ambos os grupos recebendo CsA versus grupo-controle. Nao houve diferença estatisticamente significante entre os valores do RFG dos grupos CsA 1 e CsA 2.

De maneira similar, os animais recebendo CsA apresentaram elevaçoes significativas da creatinina sérica: 0,98 mg/dl±0,06 mg/dl no grupo CsA 1; 0,85 mg/dl±0,05 mg/dl no grupo CsA 2; e 0,59 mg/dl±0,01 mg/dl no grupo-controle (CsA 1 vs. CsA 2, NS; CsA 1 vs. controle, p<0,001; CsA 2 vs. controle, p<0,01).

Os animais recebendo CsA 1 e CsA 2 apresentaram potássio sérico mais elevado do que os animais do grupo-controle (4,94 mEq/L±0,44 mEq/L; 4,43 mEq/L±0,16 mEq/L e 3,76 mEq/L±0,25 mEq/L, respectivamente; p<0,05 CsA 1 vs controle).

Diurese de 24h, osmolalidade urinária, excreçao urinária de sódio (UNaV), FeNa e FeK nao apresentaram diferenças estatisticamente significantes entre os três grupos estudados. No entanto, os grupos recebendo CsA apresentaram tendência para maior diurese e menor osmolalidade urinária. A excreçao urinária de sódio e a fraçao de excreçao de sódio foram muito reduzidas em todos os grupos, comprovando o baixo teor de sal da dieta administrada aos animais. Esses resultados estao resumidos na Tabela.

Níveis de ciclosporina em sangue total

Os níveis de ciclosporina foram similares entre os animais que receberam CsA 1 (2.176 ng/ml±386 ng/ml) e CsA 2 (2.137 ng/ml±385 ng/ml) (Figura 2).


Figura 2 – Níveis de ciclosporina em sangue total em ratos depletados em sal e tratados com Sigmasporin 15 mg/kg (CsA1) ou Sandimum 15 mg/kg(CsA2) por três semanas.

Histologia

Os animais recebendo CsA apresentaram fibrose intersticial em faixa de grau moderado a intenso e atrofia tubular. Nao houve diferença significativa entre o grau de lesao dos grupos CsA 1 e CsA 2. Os animais do grupo-controle nao apresentaram alteraçoes histológicas dignas de nota.

Discussao

A contínua escalada dos custos envolvidos na política de saúde tem obrigado a procura de alternativas para manutençao da viabilidade do sistema sem comprometimento de sua qualidade. Esse aspecto é particularmente crucial no campo de transplante de órgaos, em que o uso de medicamentos imunossupressores pode se tornar obrigatório por toda a extensao da vida do paciente. Esses medicamentos sao caros, e as opçoes de troca ou substituiçao entre drogas distintas para um dado indivíduo sao limitadas. Considerando-se que o transplante renal tornou-se um procedimento relativamente rotineiro em muitos centros médicos brasileiros, que a freqüência de transplantes de outros órgaos como coraçao, fígado, medula óssea etc. vem aumentando continuamente e que o Sistema Unico de Saúde do Brasil provê o esquema imunossupressor indefinidamente para todos os pacientes transplantados, é fácil perceber a magnitude do custo envolvido no uso dessas drogas no país.14 Na realidade, esse é um problema universal, e mesmo países mais ricos como os EUA preocupam-se com ele. Em um programa de transplante renal realizado em um hospital universitário norte-americano, o custo de drogas imunossupressoras correspondeu a 12% do orçamento anual total do Departamento de Farmácia do hospital.12 Nesse cenário, a introduçao de drogas imunossupressoras genéricas que apresentem bioequivalência e eficácia similares às das drogas de referência mais caras implicaria óbvia economia. Calcula-se que reduçoes da ordem de 37% a 50% no custo de uma farmácia hospitalar podem ser conseguidos pelo uso de medicamentos genéricos.13 Essa economia poderia redundar na oportunidade de oferecer o tratamento a maior número de pacientes, estendendo os possíveis benefícios de transplante para maior parcela da populaçao. No entanto, essas modificaçoes nao podem em hipótese alguma comprometer a segurança dos pacientes envolvidos. Nesse sentido, nao só a bioequivalência e a eficácia da droga genérica de vem ser testadas, mas também sua toxicidade deve ser similar à da droga de referência.11-13

Neste estudo, a toxicidade da microemulsao genérica e da microemulsao de referência de CsA mostraram-se indistinguíveis, como pode ser observado pela significativa queda da filtraçao glomerular e pelo desenvolvimento de fibrose intersticial causados de forma similar pela duas formulaçoes. Os achados de alteraçoes funcionais e estruturais encontrados nesse estudo sao concordantes aos de trabalhos anteriores utilizando o mesmo modelo experimental.9,10,15 Da mesma forma, a absorçao das duas formulaçoes parece ter sido similar, já que os níveis sangüíneos de CsA com as duas drogas, após três semanas de tratamento, foram praticamente iguais. Um dado interessante é que o modelo de nefrotoxicidade foi obtido com o emprego de dosagem de CsA por via oral igual ao utilizado de forma parenteral em estudos anteriores.10,15 Trabalhos que utilizaram, por via oral em ratos, preparaçoes de CsA diluída em óleo de oliva necessitaram de dosagens de duas a três vezes mais elevadas para a obtençao de alteraçoes significativas da funçao renal,16,17 confirmando a expressiva melhora na absorçao da CsA proporcionada pela introduçao de formulaçoes de microemulsao de CsA.18

As duas apresentaçoes de CsA provocaram toxicidade sistêmica semelhante, refletida por menor aumento de peso nos animais tratados com as drogas ativas quando comparados aos animais do grupo-controle. Essas alteraçoes têm sido relacionadas a efeito catabolizante da CsA.19

A efetividade da dieta hipossódica pode ser comprovada pela baixa excreçao urinária de sódio encontrada em todos os grupos. Os animais tratados com CsA também apresentaram fraçao de excreçao de sódio reduzida, demonstrando de forma indireta que o túbulo renal mantém intacta sua capacidade de reabsorçao de sódio, apesar da pronunciada isquemia préglomerular causada pela droga.20 Apesar de nao ter havido diferença estatisticamente significante em relaçao ao grupo-controle, notou-se tendência a maior diurese e menor osmolalidade urinária nos animais recebendo CsA, sugerindo que a droga prejudica os mecanismos de concentraçao urinária, o que está de acordo com resultados anteriormente publicados.15 Ambas as formulaçoes de CsA induziram níveis séricos de potássio elevados em relaçao ao grupo-controle, apesar de a diferença ter sido estatisticamente significante apenas com a CsA 1. De fato, hipercalemia decorrente de alteraçoes tubulares tem sido descrita em pacientes recebendo CsA.2,3

Em resumo, os resultados deste trabalho experimental demonstraram claramente, em um modelo consistente e reprodutível de nefrotoxicidade crônica de CsA, que a nefrotoxicidade funcional e estrutural causada por uma nova formulaçao genérica de microemulsao de CsA e aquela causada pela formulaçao de referência de microemulsao de CsA foram absolutamente similares.

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Laboratório de Fisiopatologia Renal da Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Medicina de Sao José do Rio Preto. Sao José do Rio Preto, SP Brasil.

Endereço para correspondência:
Emmanuel A Burdmann
Faculdade de Medicina de Sao José do Rio Preto, SP, Brasil
Av. Brigadeiro Faria Lima 5416
Sao José do Rio Preto, SP 15090-000
Tel. (0xx17) 2275733, ramais 133 ou 135
E-mail: burdmann@famerp.br

Recebido em 19/12/2001.
Aprovado em 28/1/2002.
Fonte de financiamento e conflito de interesses: Sigma Pharma, Sao Paulo, Brasil.

Comparação da nefrotoxicidade experimental de duas formulações de microemulsão de ciclosporina A

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