J. Bras. Nefrol. 2005;27(2 suppl. 1):7-9.

Investigação Clínico-Laboratorial Básica

Em todos os casos, a obtençao de história clínica de forma minuciosa é essencial para que se chegue ao diagnóstico. A pesquisa de antecedentes pessoais e familiares, assim como exame físico cuidadoso completam esta primeira etapa.

De acordo com o quadro sindrômico, a abordagem em termos de investigaçao deve ser diversificada.

INVESTIGAÇAO DE SINDROME NEFRITICA

Definiçao: caracteriza-se por início súbito de hematúria, proteinúria, oligúria, hipertensao arterial sistêmica e déficit de funçao renal, embora nao seja essencial que todas essas alteraçoes ocorram simultaneamente; está sempre presente a hematúria, associada a pelo menos uma das outras anormalidades. Edema pode estar presente em grau variável. Trata-se de síndrome de expansao do volume extracelular, incluindo-se o compartimento intravascular.

Investigaçao proposta em caso de suspeita de síndrome nefrítica aguda e possíveis achados:

  • Urina I: hematúria macro ou microscópica com dismorfismo eritrocitário; se proteinúria presente, fazer determinaçao em 24h: proteinúria pode estar presente, mas geralmente é menor do que 3,0 g/dia.
  • Creatinina sérica: pode ou nao estar aumentada.
  • Complemento: diminuiçao de CH50 e C3.
  • Pesquisa de doenças de base – vide investigaçao de glomerulonefrite rapidamente progressiva (2).

INVESTIGAÇAO DE SINDROME NEFROTICA

Definiçao: síndrome caracterizada pela presença de edema devido a hipoalbuminemia secundária a proteinúria. Na prática, a albuminemia costuma ser inferior a 3,0 g/dL e a proteinúria superior a 3,0 g/24h; nao sao constituintes essenciais da definiçao hiperlipidemia (aumento de colesterol e triglicerídeos) e lipidúria, embora em geral também estejam presentes.

Deve-se avaliar a presença e extensao do edema, assim como caracterizá-lo (locais e horários de surgimento ou agravamento, tempo de instalaçao, outras). Uma vez constatadas as alteraçoes urinárias que levam à suspeita do quadro, a investigaçao deve ser completada com a determinaçao de creatinina sérica, das proteínas séricas (proteínas totais e fraçoes ou eletroforese) e proteinúria de 24 horas, assim como pela realizaçao de um exame ultra-sonográfico renal.

Uma vez feito o diagnóstico da síndrome nefrótica em si, deve-se proceder à investigaçao etiológica, que terá implicaçoes na conduta terapêutica.

Os exames a serem feitos com esse objetivo incluem:

1 – hemograma

2 – glicemia

3 – exame de fezes: pacientes com esquistossomose podem apresentar lesao glomerular com síndrome nefrótica; se os antecedentes para esquistossomose forem positivos e o exame de fezes nao demonstrar a presença de ovos de S. mansoni, deve-se fazer biópsia de valva retal na tentativa de estabelecer esse diagnóstico

4 – pesquisa de anticorpos antinucleares

5 – sorologia para hepatites B e C;

6 – reaçao sorológica para sífilis, nao só para diagnóstico de sífilis em si, mas ressaltando-se a aplicaçao do VDRL (falso-positivo) como indício de lúpus eritematoso sistêmico;

7 – pesquisa de anticorpos anti-HIV, em pacientes pertencentes a grupo de risco para síndrome de imunodeficiência adquirida;

8 – exames específicos para outras doenças infecciosas com base na suspeita clínica.

9 – avaliaçao dirigida a neoplasias: neoplasia é uma possibilidade a ser aventada, particularmente em pacientes idosos, mas a extensao da investigaçao deve ser julgada criteriosamente.

 

Medidas gerais em caso de síndrome nefrótica

1 – Dieta

Muitos pacientes com síndrome nefrótica voltam a apresentar uma diurese satisfatória após repouso no leito e restriçao leve de sódio.

A dieta do paciente com síndrome nefrótica que mantém funçao renal normal deve ser hipossódica e normoprotéica. A ingestao de líquidos deve ser controlada.

2 – Restauraçao do volume extracelular

Já que o volume plasmático pode estar contraído, os diuréticos devem ser usados com cautela para evitar hipotensao e insuficiência renal aguda. Sao mais efetivos, nessa condiçao, os diuréticos de alça. Eventualmente é necessário usar uma combinaçao de diuréticos para obter o efeito desejado (por exemplo, diuréticos que atuem em dois sítios diferentes, como clortalidona e furosemida). Pacientes em anasarca podem requerer a administraçao endovenosa de diuréticos de alça, às vezes associada ao uso de expansores plasmáticos.

Infusoes de albumina permitem aumentar a pressao oncótica do plasma transitoriamente e, podem, dessa maneira, expandir o volume plasmático, aumentando a eficácia dos diuréticos utilizados. Pelo fato de a maior parte da albumina ser excretada para a urina nas 24 a 48 horas que se sucedem à sua administraçao, esse tratamento deve ser reservado para aqueles pacientes com evidências clínicas de depleçao profunda do volume intravascular.

3 – Prevenir complicaçoes imediatas e tardias

4 – Controle rigoroso da pressao arterial

5 – Limitar progressao para insuficiência renal crônica (IRC): medidas de renoproteçao.

6 – Avaliar o risco do uso de drogas imunossupressoras no caso em questao versus medidas preventivas que podem ser instituídas(3).

INVESTIGAÇAO DE GLOMERULONEFRITE RAPIDAMENTE PROGRESSIVA (GNRP)

Definiçao: é uma síndrome que se caracteriza por declínio rápido da funçao renal (ao longo de dias ou semanas) associado a uma glomerulonefrite, geralmente em presença de achados sugestivos de síndrome nefrítica aguda. As glomerulonefrites que, clinicamente, têm um comportamento rapidamente progressivo manifestam-se freqüentemente, à histopatologia, como glomerulonefrites crescênticas.

A classificaçao dessas glomerulonefrites baseia-se no resultado do exame de imunofluorescência, cujos achados caracterizariam três diferentes mecanismos de injúria glomerular; portanto, é essencial que o material de biópsia renal seja avaliado por esta técnica.

Classificaçao de acordo com a imunofluorescência:

I – Presença de depósitos lineares

Glomerulonefrite por anticorpos anti-membrana basal glomerular (com ou sem síndrome de Goodpasture)

II – Presença de depósitos granulares de imunocomplexos

Glomerulonefrites pós-infecciosas: infecçoes bacterianas, virais e outras

Doença de Berger – Púrpura de Henoch-Schönlein

Glomerulonefrite lúpica

Glomerulonefrite da crioglobulinemia mista

Glomerulonefrites idiopáticas

III – Ausência de depósitos significativos (pauci-imune) – em geral associadas com ANCA

Glomerulonefrite da poliangeíte microscópica

Glomerulonefrite da granulomatose de Wegener

Glomerulonefrites idiopáticas (com crescentes e/ou necrotizantes, sem evidências clínicas de vasculite sistêmica)

Além da investigaçao básica que envolve exame de urina (Urina I), proteinúria de 24 horas, creatinina sérica, ultra-sonografia renal, a escolha dos exames a serem realizados depende da suspeita diagnóstica. Segue-se uma apresentaçao simplificada dos exames laboratoriais utilizados para investigaçao de cada tipo de GNRP:

– por anticorpo (Ac) anti-membrana basal glomerular (MBG): Pesquisa de Ac anti-MBG.

– por imunocomplexos: Pesquisa de FAN, anti- DNA, crioglobulinas, ASLO, determinaçao do perfil de complemento, sorologias para hepatites B e C, anti-HIV, hemoculturas e, por vezes, ecocardiografia, conforme as suspeitas clínicas mais relevantes em cada caso; outros.

– pauci-imune: Pesquisa de ANCA.

No que se refere às manifestaçoes clínicas, as três formas de GNRP compartilham hematúria, proteinúria, diminuiçao do volume urinário, edema e hipertensao arterial. Os pacientes com doença por Ac anti-MBG podem apresentar também hemorragia pulmonar com hemoptise devido aos anticorpos dirigidos contra a membrana basal alveolar. Achados clínicos similares podem também ser observados em poliangeíte microscópica e granulomatose de Wegener(4) e lúpus eritematoso sistêmico(5) em decorrência do envolvimento dos vasos por processo de vasculite.

Vale salientar que, em caso de suspeita de GNRP, é essencial um rápido diagnóstico, o que implica em distinguir esta condiçao de outras causas de insuficiência renal de início agudo e com achados urinários semelhantes. Assim, a biópsia renal está indicada e deve ser feita o quanto antes; porém, diferente do que se observa em outras glomerulonefrites, o tratamento “específico” (pulsoterapia endovenosa) deve ser instituído independe de sua realizaçao e da disponibilidade do resultado, a menos que se constate uma contraindicaçao, como infecçao relevante e ativa.

INVESTIGAÇAO DE HEMATURIA

Em caso de hematúria de origem glomerular provável (presença de dismorfismo é um indício favorável), deve-se avaliar a funçao renal (creatinina sérica e/ou sua depuraçao) e fazer uma exame ultra-sonográfico dos rins e vias urinárias. Além disso, possíveis doenças de base responsáveis por tal alteraçao devem ser investigadas, incluindo a pesquisa de consumo de complemento, exames dirigidos a investigaçao de colagenoses e infecçoes virais, por exemplo.

Havendo história familiar de doença renal, insuficiência renal crônica ou transplante renal, a realizaçao de uma audiometria e avaliaçao oftalmológica podem ser bastante úteis na busca de evidências que favoreçam o diagnóstico de doença de Alport.

Após esta avaliaçao inicial, se houver suspeita de doença de Berger, doença de Alport ou doença de membrana fina, deve-se considerar a indicaçao de biópsia renal. Lembrar, contudo, que tais doenças, enquanto se manifestarem apenas como hematúria isolada, nao têm tratamento específico e que a biópsia trará informaçoes importantes; porém, neste primeiro momento, mais utilizáveis para aconselhamento genético ou planejamento futuro, o que sem dúvida é relevante (sobretudo para aquele paciente que seja candidato a um transplante renal). De qualquer forma, essas biópsias só devem ser feitas se houver disponibilidade das técnicas de imunofluorescência e de microscopia eletrônica, sem as quais os diagnósticos acima nao podem ser feitos(6).

INVESTIGAÇAO DE PROTEINURIA

Pacientes com qualquer nível de proteinúria devem ser submetidos à mesma sistemática de investigaçao dos pacientes com síndrome nefrótica (7).

REFERENCIAS

1. Brenner BM, Rector FC: The Kidney. 6th ed. Philadelphia, WB Saunders, 2000, p. 1267.

2. Mastroianni Kirsztajn G, Pereira AB: Síndrome Nefrítica. In: Prado FC, Ramos JA, Valle JR. Atualizaçao Terapêutica 2003. Sao Paulo, Artes Médicas, 2003, pp. 814-6.

3. Mastroianni Kirsztajn G, Pereira AB: Síndrome Nefrótica. In: Prado FC, Ramos JA, Valle JR. Atualizaçao Terapêutica 2003. Sao Paulo, Artes Médicas, 2003, pp. 816-8.

4. Jindal KK: Management of idiopathic crescentic and diffuse proliferative glomerulonephritis: Evidence-based recommendations. Kidney Int 55(Suppl.70):S56-62,1999.

5. Calamia KT, Balabanova M: Vasculitis in systemic lupus erythematosus. Clin Dermatol 22(2):148-56,2004.

6. Mastroianni Kirsztajn G. Hematúria: Aspectos Clínicos. In: Schor N, Srougi M. Nefrologia-Urologia Clínica. Sao Paulo, Sarvier, 1998, pp. 133-8.

7. Burgess E: Conservative treatment to slow deterioration of renal function: Evidence-based recommendations. Kidney Int 55(Suppl.70):S17-25,1999.

Investigação Clínico-Laboratorial Básica

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