J. Bras. Nefrol. 2005;27(2 suppl. 1):10-8.

Tratamento das Glomerulopatias primárias

Vale salientar que sao poucas as situaçoes em que existem tratamentos consensuais em caso de glomerulopatias. A heterogeneidade dos desenhos dos estudos, dos esquemas de tratamento empregados, dos critérios de inclusao, dos desfechos estudados e as informaçoes de seguimento disponíveis sao fatores que dificultam a interpretaçao dos resultados dos estudos realizados sobre tratamento em glomerulopatias.

Mesmo estudos prospectivos e randomizados ainda revelam resultados bastante variáveis em relaçao às opçoes terapêuticas mais adequadas para algumas doenças glomerulares. Em sendo assim, a seguir, serao expostas as medidas mais consistentes em cada caso, sempre que possível, acompanhadas de uma avaliaçao do grau das evidências para uma determinada recomendaçao.

É preciso lembrar antes de iniciar qualquer tratamento com medicamentos imunossupressores os riscos decorrentes do uso dessas drogas (infecçoes, osteoporose, infertilidade, entre outros), particularmente e m pacientes com propensao a determinadas complicaçoes.

Faz-se também rotineiramente o tratamento profilático para estrongiloidíase, face à gravidade dos quadros observados diante desta infestaçao na vigência de imunossupressao.

Na seqüência, o tratamento será apresentado em funçao das seguintes subdivisoes:

  • Síndrome Nefrítica
  • Síndrome Nefrótica (DLM, GESF, GNM, GNMP)
  • Glomerulonefrite rapidamente progressiva
  • Nefropatia por IgA
  • Glomerulopatias Secundárias a lúpus eritematoso sistêmico, doenças virais e parasitárias, diabetes e amiloidose
  • Renoproteçao

SINDROME NEFRITICA

O protótipo desta síndrome é a glomerulonefrite pós-estreptocócica.

Tratamento de síndrome nefrítica sem complicaçoes (em caso de diagnóstico presuntivo de glomerulonefrite pós-estreptocócica)

  • Dieta hipossódica e repouso enquanto houver expansao do volume hídrico corporal.
  • Sintomáticos: diuréticos, anti-hipertensivos.
  • Imunossupressao: na maioria das vezes nao é necessário; apenas nos raros casos com oligúria prolongada, proteinúria nefrótica com hipoalbuminemia ou insuficiência renal rapidamente progressiva, com crescentes glomerulares à biópsia renal, pode haver indicaçao (que nao é formal) de uso de imunossupressores.

SINDROME NEFROTICA

Tratamento Específico das Glomerulopatias que se apresentam predominantemente com síndrome nefrótica de acordo com os tipos histológicos

Tratamento de Doença de Lesoes Mínimas (DLM)

(Recomendaçoes baseadas sobretudo em estudos feitos em crianças)

Tratamento de escolha: corticoterapia

Recomendaçao 1: Tratamento inicial

Comentários – Rec. 1: A DLM é responsável por mais de 90% dos casos de síndrome nefrótica idiopática em crianças pequenas. Devido à sua elevada freqüência, a realizaçao de numerosos estudos clínicos tornou-se possível, gerando evidências suficientes para o tratamento adequado. As doses e duraçao de tratamento sao (para crianças) de 60mg/m2/dia (até um máximo de 80 mg/dia) por 4 a 6 semanas e, depois, 40mg/m2/dia de prednisona em dias alternados por 4 a 6 semanas.

Os primeiros estudos nao-controlados na década de cinqüenta já revelavam que mais de 90% das crianças com essa condiçao respondiam a corticoterapia. Esquemas de tratamento bem aceitos foram propostos pelo International Study of Kidney Diseases in Children (ISKDC) e pelo Grupo Colaborativo Europeu Arbeitsge – meinschaft fur Padiatrische Nephrologie (APN), que sao a base desta primeira recomendaçao(1,2). Terapias mais curtas que esta implicaram em recidivas mais freqüentes e mais precoces (3).

A análise retrospectiva de aproximadamente 400 crianças com DLM mostrou que aquelas que respondiam às primeiras 8 semanas de terapia com remissao completa e mantinham remissao ao longo dos próximos 6 meses tinham um prognóstico excelente, com recidivas muito raras ou ausentes. Já recidiva nos primeiros 6 meses previa recidivas posteriores nos próximos 3 anos. Nao alcançar remissao nas primeiras 8 semanas também se associou com o desenvolvimento de insuficiência renal(4).

Recomendaçao 2: Tratamento de recidiva

Comentários – Rec. 2: Em crianças, utiliza-se a dose de 60mg/m2/dia (máximo de 80 mg/dia) até negativaçao da proteinúria (mantida por 3 dias) e, depois, 40mg/m2 de prednisona em dias alternados por 4 semanas. A maior parte das crianças apresenta recidivas e o esquema descrito é bem sucedido, sem implicar em doses cumulativas maiores de corticóide, pois a reduçao é iniciada com base na negativaçao da proteinúria e nao no tempo decorrido de tratamento(2).

Recomendaçao 3: Recidivas freqüentes

Comentários – Rec. 3: Define-se como recidivante freqüente o indivíduo que responde a corticóide, mas apresenta 2 recidivas nos primeiros 6 meses após a resposta inicial ou tem 4 recidivas ao longo de um ano qualquer. Há relatos de que até ¼ das recidivas em recidivantes freqüentes podem apresentar remissao espontânea. A aplicabilidade das recomendaçoes descritas em caso de recidivas múltiplas está claramente definida com base na sua graduaçao(3).

Recomendaçao 4: Córtico-dependência

Comentários – Rec. 4: Dez a 20% das crianças terao 3 ou 4 recidivas córtico-sensíveis e metade delas tornar-se-ao recivantes freqüentes ou córtico-dependentes. Diante da toxicidade implícita no tratamento prolongado com corticóide, outras drogas tendem a ser utilizadas nessa situaçao (citotóxicos, CsA).

Córtico-dependência é definida como 2 recidivas consecutivas que ocorrem durante o tratamento ou nos 14 dias que se seguem à conclusao da corticoterapia.

O uso repetido ou prolongado de corticóide nos recivantes freqüentes ou córtico-dependentes associa-se ao risco de efeitos colaterais como retardo de crescimento, osteoporose, obesidade e catarata.

Agentes alquilantes e CsA sao efetivos em situaçoes de córtico-dependência e produzem remissao mais prolongada(3).

Recomendaçao 5: Córtico-resistência

Comentários – Rec. 5: As alternativas atualmente estudadas em córtico-resistência têm baixo nível de evidências favorecendo o seu uso, mas podem ser justificáveis diante da tendência a progressao para insuficiência renal crônica na ausência de controle da síndrome nefrótica.

Em indivíduos adultos com DLM, fala-se em córtico-resistência com 16 semanas de uso da droga em dose plena(5,6).

Tratamento de Glomerulosclerose Segmentar e Focal (GESF)

O curso da doença é variável. Os pacientes que nao respondem a tratamento tendem a evoluir para insuficiência renal crônica, num percentual de casos que varia de 30 a 63%. Os pacientes nao-tratados apresentam uma evoluçao semelhante à dos que nao respondem a tratamento.

Sao considerados como fatores de mau prognóstico:

  • Creatinina sérica inicial aumentada;
  • Fibrose intersticial;
  • Hipertensao arterial sistêmica;
  • Proteinúria de nível nefrótico;
  • Ausência de resposta a tratamento.

Nao há achados clínicos ou histológicos definitivos capazes de prever a resposta a tratamento.

Recomendaçao 1

Comentários – Rec.1: Nao têm sido desenvolvidos estudos randomizados em síndrome nefrótica por GESF, utilizando corticóide VO. Relatos de séries de casos dao suporte ao uso de prednisona numa dose de 1 mg/kg/dia, em adultos, em um tratamento inicial, por pelo menos 4 meses, nao se podendo falar em córtico-resistência antes de 6 meses de corticoterapia (7).

Essas recomendaçoes nao se referem ao tratamento da forma colapsante da GESF.

Recomendaçao 2

Comentários – Rec.2: O esquema proposto para tratamento com CsA tem sido de 4-5 mg/kg/dia (adultos), em 2 tomadas. Em nao-responsivos, é aconselhável suspender com 6 meses; nos responsivos, uma possibilidade é retirar 25% da dose a cada 2 meses, com suspensao em 12 meses. Entretanto, recidiva após reduçao da dose ou suspensao da CsA é muito comum (Grau B) e o uso prolongado de CsA pode ser necessário para manter remissao (Grau D) (7).

Esse tipo de esquema tem sido proposto em situaçoes de córtico-resistência e de córtico-dependência.

A CsA é uma droga nefrotóxica e que também pode levar ao desenvolvimento de hipertensao arterial, dentre outros efeitos indesejáveis. Diante disso, ao indicar o seu uso em glomerulopatias, é importante considerar a lesao túbulo-intersticial preexistente, assim como monitorizar a funçao renal do paciente, os níveis sangüíneos da medicaçao e seus efeitos colaterais.

Recomendaçao 3

Comentários – Rec.3: Os estudos mais freqüentemente utilizaram agentes citotóxicos em conjunçao com prednisona em doses variáveis, o que dificulta a avaliaçao dos resultados obtidos.

Recomendaçao 4

Comentários – Rec.4: Esta recomendaçao baseia- -se na possibilidade de que a a recorrência da GESF pós- -transplante, em geral, esteja associada com a existência de um fator circulante de permeabilidade glomerular. Os resultados alcançados com essas medidas têm sido variáveis e a plasmaferese tem sido utilizada, tanto antes quanto após o transplante.

Estudos mais recentes têm sugerido o uso de micofenolato mofetil (MMF) em DLM e GESF, especialmente em situaçoes de síndrome nefrótica multirrecidivante, mas os estudos realizados incluem poucos pacientes e ainda carecem de consistência(8,9).

Finalmente, em casos de GESF secundária a condiçoes associadas com hiperfiltraçao e/ou massa reduzida de nefrons, a abordagem terapêutica para todos os pacientes com proteinúria deveria incluir um bom controle da pressao arterial através de drogas que bloqueiam o sistema renina-angiotensina, devido à sua açao no sentido de reduzir proteinúria e dimimuir a velocidade de progressao para insuficiência renal(10).

Tratamento de Glomerulopatia Membranosa (GNM)

A GNM pode ser secundária a diversas condiçoes, como hepatite B e outras infecçoes, terapia com diversas drogas (por exemplo, ouro, penicilamina), lúpus eritematoso sistêmico e neoplasias; entretanto, em adultos, na maior parte dos casos, a GNM é idiopática. Apresenta-se mais freqüentemente como síndrome nefrótica, mas por vezes também como proteinúria assintomática, com ou sem hipertensao arterial.

Tem sido difícil estabelecer o papel de estratégias de tratamento para GNM idiopática, devido ao curso variável da doença e, particularmente por causa do desenvolvimento de remissao espontânea, considerado como alto, e que pode vir a ocorrer meses ou anos após o início da síndrome nefrótica. A questao do tratamento da GNM pode ser abordada por duas vertentes: tratamento sintomático (controle de edema e dislipidemia) e terapias dirigidas a induzir remissao da proteinúria e prevenir progressao(11).

Utilizando um modelo preditivo, Cattran et al.(12) demonstraram que o fator mais importante no sentido de determinar a evoluçao a longo prazo em GNM foi o período de 6 meses de proteinúria sustentada mais elevada. O modelo foi capaz de prever pacientes de alto risco para progressao com uma acurácia de mais de 85%, independente das diferenças que apresentavam no período basal.

Sao considerados como fatores de bom prognóstico em GNM:

(1) Ser do sexo feminino, criança ou adulto jovem;

(2) Doença secundária ao uso de drogas;

(3) Proteinúria inferior a 3,5 g/dia;

(4) Manutençao de funçao renal normal nos primeiros 3 anos de doença(12).

As recomendaçoes para tratamento imunossupressor em GNM referem-se até a presente data apenas às situaçoes em que se observa proteinúria nefrótica.

A posiçao mais aceita atualmente é a de que os esquemas terapêuticos que incluem drogas citotóxicas nao devem ser prescritos para todos os pacientes nefróticos com GNM, mas estao indicados em caso de alto risco de progressao, com base em idade, sexo, funçao renal, pressao arterial, severidade e persistência da síndrome nefrótica, assim como grau de severidade da lesao túbulo-intersticial.

Vale lembrar, ainda, que o uso de imunossupressores até o momento nao é justificável em pacientes com proteinúria nao-nefrótica(11).

Recomendaçao 1

Comentários – Rec.1: Nao há benefícios com curso prolongado ou curto de corticóide VO, em dias alternados, quer para induzir remissao de síndrome nefrótica, quer para preservar a funçao renal em pacientes com GNM. Vale salientar que, no U.S. Collaborative Study of Adult Idiopathic Nephrotic Syndrome (CSAINS), visto abaixo, o curto período de seguimento e a evoluçao pior do que seria esperado no grupo placebo foram motivo de críticas ao estudo(11).

Recomendaçao 2

Comentários – Rec.2: Os poucos estudos com azatioprina sugerem que ela é inadequada para tratar GNM, embora haja exceçoes (13).

Recomendaçao 3

Comentários – Rec.3: A maioria dos estudos controlados usou a combinaçao de corticóide com agentes alquilantes e, por isso, recomenda-se o uso conjunto de tais drogas. Face à toxicidade potencial desse tipo de tratamento, muitos consideram que deve ser reservado para pacientes com alto risco de progressao para insuficiência renal (Grau A).

Diferentes estudos com GNM apresentam resultados conflitantes e uma das explicaçoes para isso seria a heterogeneidade das populaçoes estudadas, algumas envolvem pacientes com síndrome nefrótica bem definida e com elevada proporçao de pacientes com proteinúria maciça; outras correspondem a pacientes com proteinúria nefrótica e nao-nefrótica analisados de forma conjunta(11), assim como a inclusao ou nao de indivíduos que já apresentam insuficiência renal, fatores com prováveis implicaçoes prognósticas. Os estudos também diferem quanto às doses das medicaçoes e tempo de uso, duraçao de seguimento, definiçoes de remissao, entre outros aspectos.

Ponticelli tem publicado os resultados do tratamento de GNM com esquema de pulsoterapia com metilprednisolona EV (associado a prednisona VO) alternado, a intervalos mensais, com o uso oral de clorambucil (a pulso com metilprednisolona nos meses 1, 3 e 5 e o clorambucil nos meses 2, 4 e 6). Em publicaçao de 1984, em que tal esquema foi comparado com terapia sintomática ao longo de seis meses, em um RCT envolvendo pacientes com síndrome nefrótica por GNM(14), observou-se remissao (parcial ou completa) em 23/32 tratados versus 9/30 controles. O estudo publicado em 1992 comparou o esquema combinado já citado com corticóide usado de forma isolada em 92 pacientes adicionais, favorecendo o primeiro esquema (66% em remissao após 3 anos vs. 40% dos controles)(15). A avaliaçao da sobrevida renal, com 10 anos de seguimento, revelou uma probabilidade de sobrevida de 0,92 para os pacientes tratados com o chamado “esquema de Ponticelli” versus 0,60 para aqueles submetidos a tratamento sintomático(16).

Quando comparado o uso de ciclofosfamida com o de clorambucil em metanálises de RCTs, nao foram encontradas diferenças entre os resultados obtidos com essas drogas. Mais recentemente, Perna et al., em metanálise envolvendo pacientes com GNM, constatou apenas um menor número de efeitos colaterais com ciclofosfamida(17).

O esquema de Ponticelli corresponde ao uso de pulsoterapia com metilprednisolona no 1º, 3º e 5º meses de tratamento (e manutençao com prednisona 0,5 mg/kg/dia VO) alternado com a droga citotóxica escolhida (clorambucil ou ciclofosfamida VO) no 2º, 4º e 6º meses, num total de 6 meses de tratamento. Para maiores detalhes quanto às doses recomendadas, consultar as publicaçoes do grupo de Ponticelli (11, 14, 15).

Recomendaçao 4

Comentários – Rec.4: O esquema de CsA preferencialmente utilizado nesta condiçao é o de 4-5 mg/kg/dia por 12 meses. Freqüentemente a CsA é usada em conjunçao com corticóide nas séries relatadas, com resultados promissores em termos de remissao da SN, preservaçao da funçao renal e nefrotoxicidade. A dose deve ser ajustada de acordo com o nível sangüíneo (11).

ANTICOAGULAÇAO

As complicaçoes tromboembólicas, especialmente trombose de veia renal, sao freqüentes em síndrome nefrótica em geral e mais ainda em GNM. As incidências descritas sao extremamente variáveis, indo de 5 a 60%, possivelmente pelo grande número de casos subclínicos que vêm a ser identificados em estudos que envolvem pacientes assintomáticos. Independente destes achados, nao é usual fazer-se anticoagulaçao profilática nesta condiçao, em todo o mundo.

Um estudo de modelo de decisao(18) mostrou que os benefícios da anticoagulaçao profilática sobrepujariam os riscos em síndrome nefrótica por GNM, mas nao há RCTs a esse respeito. Por isso, em geral, tal conduta é recomendada apenas em casos de alto risco para trombose venosa, como aqueles com proteinúria de nível nefrótico severa ou prolongada.

Há uma tendência mundial a nao se tratar todos os pacientes com síndrome nefrótica por GNM (face à boa evoluçao espontânea em considerável número de casos), mas a indicar o tratamento com drogas citotóxicas para todos os que tiverem indícios de mau prognóstico, já que estudos randomizados controlados têm demonstrado benéficos, a longo prazo, com o uso dessas drogas, tanto em relaçao à remissao da síndrome nefrótica, como à taxa de progressao para insuficiência renal.

Tratamento de Glomerulonefrite Membranoproliferativa (GNMP)

A GNMP pode ser subdividida do ponto de vista histológico, classicamente em tipo I, tipo II e tipo III, embora variaçoes dessa classificaçao já tenham sido propostas.

Para falar-se em GNMP primária é muito importante afastar como causas da doença as hepatites B e C, particularmente esta última, HIV e outras infecçoes, além de doenças do colágeno; em nosso meio, nao podemos esquecer da associaçao com esquistossomose.

A sobrevida renal da forma idiopática em 10 anos é de aproximadamente 60%, com base sobretudo em estudos europeus.

Síndrome nefrótica, hipertensao arterial e acometimento túbulo-intersticial sao considerados fatores p r ognósticos desfavoráveis relevantes nesta glomerulopatia.

Recomendaçao 1

Comentários – Rec.1: Os estudos de tratamento em GNMP sao por demais heterogêneos, variando em relaçao aos tipos de GNMP incluídos, idade dos pacientes, definiçoes de tratamentos bem sucedidos, duraçao de tratamento e de seguimento, entre outros pontos. A dificuldade é ainda maior devido ao pequeno número de pacientes incluídos, pois esta doença glomerular é pouco freqüente. Há inclusive relatos documentando uma reduçao progressiva da incidência da GNMP em vários locais do mundo.

Comentários- Rec.2: Estudo RCT(19) comparando prednisona com placebo demonstrou que 61% das crianças tratadas tinham funçao renal estável vs. 12% das que receberam placebo, considerando um tempo médio de tratamento de 130 meses. Outros estudos (níveis de evidências 3 e 4) confirmaram esses benefícios(20).

Recomendaçao 3

Comentários – Rec.3: Apesar de ser uma recomendaçao baseada em estudos RCT, há algumas reservas sobre os achados. Num dos estudos(21), o tratamento determinou uma melhor evoluçao da funçao renal, mas se questiona a representatividade do grupo controle, por ter apresentado uma perda de funçao particularmente rápida. Noutros, houve melhora da proteinúria, mas nenhum ou pouco impacto sobre a funçao renal. Vale salientar também a ocorrência de uma incidência aumentada de sangramento entre os indivíduos tratados.

Nao foram observados benefícios do uso de drogas imunossupressoras em estudos randomizados controlados realizados em adultos.

Além das condiçoes expostas acima, que correspondem à maior parte dos estudos, nos quais as principais preocupaçoes sao a evoluçao da funçao renal em indivíduos com proteinúria nefrótica, é preciso lembrar dos indivíduos cuja doença apresenta-se com proteinúria de nível nao-nefrótico. Neste caso, há uma tendência a optar por medidas gerais de renoproteçao. Por outro lado, quando a GNMP tem uma apresentaçao rapidamente progressiva, em geral é tratada segundo as orientaçoes para este tipo de apresentaçao. Na seqüência, é apresentado um resumo das situaçoes de apresentaçao da doença e das alternativas terapêuticas em cada caso.

Tratamento das Glomerulonefrites Rapidamente Progressivas (GNRP)

Tendo em vista que as GNRP representam uma condiçao rara e de mau prognóstico, é incomum o desenvolvimento de estudos controlados envolvendo um número adequado de pacientes acometidos por estas doenças.

O diagnóstico precoce e manuseio das conseqüências fisiopatológicas da doença glomerular (retençao de líquidos, hipertensao arterial, hipercalemia, uremia) sao essenciais para o sucesso do tratamento. As medidas dirigidas ao tratamento “específico” da injúria inflamatória renal serao citadas na seqüência e baseiam-se em um nível de evidência 3.

1. GN crescêntica por Ac anti-MBG

A doença por Ac anti-MBG nao-tratada tem de um modo geral um mau prognóstico, com morte por insuficiência renal ou hemorragia pulmonar. A abordagem terapêutica tem o racional (aqui exposto de forma bastante simplista) de associar a rápida remoçao de autoanticorpos patogênicos pela plasmaferese, prevençao da síntese de novos anticorpos com CFF e açao antiinflamatória do corticóide(23).

Recomendaçoes (Graus B e C)

Protocolo de tratamento detalhado pode ser encontrado no Fórum do Kidney International de 2003 sobre o tema(23).

O uso de plasmaferese vem sendo justificado face ao mau prognóstico dos casos nao-tratados, supondo-se que a seu uso em associaçao com imunossupressores aceleraria o desaparecimento dos Acs anti-MBG a partir da circulaçao; mas, a maior parte das evidências sao de níveis 3 a 5; apenas um estudo revela evidências de nível 2(24) apoiando este tipo de intervençao. Alguns pacientes com perda avançada de funçao renal podem vir a responder a plasmaferese, mas nao é recomendada a sua utilizaçao em indivíduos anúricos a menos que eles apresentem hemorragia pulmonar(25).

Os pacientes que apresentam simultaneamente anticorpos anti-MBG e ANCA devem receber o mesmo tratamento inicial que aqueles apenas com doença por anti- MBG, mas os primeiros devem ficar com o esquema de manutençao como nos casos de vasculite ANCA-positiva.

A recuperaçao renal dos pacientes com doença por anti-MBG de um modo geral depende da funçao renal por ocasiao do início do tratamento. Várias séries revelam que a maior parte dos pacientes que começa o tratamento com creatinina sérica <6,6 mg/dL recuperará a funçao renal, mas quando superior a este número, a recuperaçao é rara.

A presença de hemorragia pulmonar constitui-se em uma indicaçao separada de tratamento intensivo, independente da severidade da doença renal.

2. GN crescêntica por imunocomplexos

Como nos outros grupos de GNRP, deve-se proceder, num primeiro momento, à pulsoterapia com metilprednisolona, desde que nao existam contraindicaçoes, como uma infecçao ativa relevante.

Na seqüência, o tratamento deve dirigir-se à condiçao específica subjacente. Na maior parte dos casos, as GN crescênticas por imunocomplexos sao secundárias; em sendo assim, num caso de nefrite lúpica, por exemplo, lança-se mao do protocolo mais adequado para esta condiçao. Tem sido sugerido que os poucos pacientes com formas verdadeiramente idiopáticas sejam tratados como os portadores de GNRP pauci-imune(25).

3. GN crescêntica pauci-imune

Neste grupo destacam-se as vasculites ANCAassociadas, que compartilham similaridades histológicas na biópsia renal, ausência ou escassez de depósitos imunes, a potencial contribuiçao do ANCA em sua patogênese e respostas similares a agentes imunossupressores. O envolvimento renal é comum e manifesta-se tipicamente como GNRP, levando a morte ou insuficiência renal dentro de 2 anos em mais de 40 por cento dos pacientes. A terapia-padrao para as vasculites ANCAassociadas generalizadas envolve o uso prolongado de corticóide e ciclofosfamida(26).

Os casos ANCA-negativos que se apresentam como GNRP pauci-imune acabam sendo tratados da mesma forma.

Nachman et al. avaliaram 97 pacientes com GN pauci-imune associada ao ANCA tratados com pulsoterapia com metilprednisolona seguida por prednisona por via oral versus pulsoterapia seguida por prednisona associada a ciclofosfamida por via oral, alcançando remissao em 77% dos casos, sendo que 32 dos 75 pacientes permaneceram em remissao por período prolongado; 22 dos 75 recidivaram e isso em geral ocorreu nos 18 meses que se seguiram ao final do tratamento. Constatou-se uma diferença significante na taxa de remissao com corticóide apenas e com o uso de ciclofosfamida (56% vs. 89%, p=0,003), além do fato de que os tratados com ciclofosfamida apresentaram um risco três vezes menor de recidivarem(27).

Vale salientar que estudos como o de Nachman dao suporte ao uso de ciclofosfamida associada à prednisona após pulsoterapia com metilprednisolona em pacientes com GNRP necrotizante pauci-imune, mesmo nos dependentes de diálise(25).

Mais recentemente, avaliou-se em um número grande de pacientes a possibilidade de substituiçao da ciclofosfamida pela azatioprina, como um agente imunossupressor alternativo na manutençao da remissao. Neste estudo, foram excluídos os pacientes com creatinina sérica superior a 5,7 mg/dL. A substituiçao precoce da CFF pela AZA durante a remissao, usualmente com 3 meses de tratamento determinou taxas de recidivas similares às do regime controle de 12 meses de CFF (Grau B). Os resultados favorecem uma terapia agressiva para a doença ativa e de menor intensidade para manutençao da remissao. É possível que novo tratamento com CFF se faça necessário numa recidiva tardia, o que reforça a importância de minimizar o nível inicial de exposiçao(23).

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Tratamento das Glomerulopatias primárias

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