J. Bras. Nefrol. 2005;27(2 suppl. 1):36-7.

Renoproteção

Nos últimos anos, tem-se observado progresso expressivo na área de renoproteçao, aqui entendida como recursos para interromper ou pelo menos lentificar a progressao das doenças renais para IRCT.

1 – Dieta

Restriçao de proteínas na dieta deve ser considerada para pacientes com déficit de funçao renal severo (creatinina sérica > 350 mmol/L) (Grau A).

Essa recomendaçao baseia-se em estudos que envolveram várias doenças renais e nao apenas glomerulopatias, mas nos quais essas doenças corresponderam a um percentual expressivo da populaçao avaliada; a análise em separado dos pacientes com glomerulopatias confirmou efeito benéfico da intervençao em alguns estudos (1).

2 – Controle da pressao arterial

A necessidade de controle da pressao arterial está bem estabelecida nas doenças renais de um modo geral e, sem dúvida, nas doenças glomerulares, para as quais a coexistência de hipertensao arterial é considerada um fator de mau prognóstico. Em sendo assim, no que se refere à renoproteçao, tratar a hipertensao arterial é um ponto consensual. Estudos vêm sendo feitos no sentido de definir as metas de pressao e há indícios de que o alvo em termos de pressao arterial depende do grau de proteinúria e do nível de funçao renal.

No que tange às drogas de escolha, estudos com doenças renais que compararam os inibidores da enzima conversora da angiotensina com placebo e beta-bloqueadores mostraram que os primeiros sao preferíveis para fins de renoproteçao (Grau A) (1).

3 – Tratamento da dislipidemia

Os inibidores da HMG coA-redutase (estatinas) estao sendo cada vez mais usados para tratar as dislipidemias associadas com a síndrome nefrótica, em grande parte com o objetivo de prevenir o desenvolvimento de aterosclerose e doença arterial coronariana. No entanto, sabe-se que as estatinas têm múltiplos efeitos, entre os quais propriedades antiinflamatórias e imunomoduladoras; há relatos de que eles inibem a ativaçao de fatores de transcriçao pró-inflamatórios e melhoram a disfunçao da célula endotelial em síndrome nefrótica (2). Logo, as estatinas podem ter efeitos benéficos, que vao além da reduçao dos níveis de lipídeos, em doenças glomerulares inflamatórias (3).

4 – Medicaçoes antiproteinúricas

Cada vez mais evidências se acumulam de que reduzir proteinúria associa-se a uma melhor evoluçao renal, independente do processo de doença subjacente (4).

O tratamento com bloqueadores das açoes da angiotensina II, tais como os IECAs e os BRAs retardam a progressao da doença renal e reduzem a proteinúria (4).

No que diz respeito às doenças glomerulares propriamente diatas, tem-se demonstrado em diferentes glomerulopatias a açao antiproteinúrica tanto de IECA quanto de BRA, a qual independe das suas propriedades anti-hipertensivas (5,6).

BRAs têm sido comparados com outras drogas anti-hipertensivas, constatando-se que, mesmo alcançando controle similar da pressao arterial, essas drogas têm maior açao antiproteinúria. Foi o que se observou quando BRAs e bloqueadores de canais de cálcio foram comparados em nefropatia por IgA: BRA revelou-se antiproteinúrico; houve aumento da proteinúria com amlodipina; esse efeito tem sido descrito com os bloqueadores de cálcio diidropiridínicos (7).

O uso de IECA associado a BRA também tem sido amplamente avaliado. Estudo controlado randomizado (COOPERATE), desenvolvido por Nakao et al., comparou losartan, trandolapril e a combinaçao losartan/ trandolapril em 263 pacientes com nefropatias crônicas proteinúricas nao-diabéticas (65% de doença glomerular, das quais 50% correspondiam a nefropatia por IgA). Embora as características no período basal e o controle da pressao arterial tenham sido equivalentes, a sobrevida renal melhorou muito e a excreçao urinária de proteína foi mais reduzida com a terapia de combinaçao (8). A combinaçao dessas classes de medicamentos é recomendável em doenças glomerulares (Grau A), no entanto, é possível que nao seja tao efetiva em todos os tipos de doenças glomerulares (9). Bons resultados com o bloqueio do sistema renina-angiotensina têm sido também obtidos em nefropatia membranosa (10) e GESF (11), mas nao tao expressivos quanto em Nefropatia por IgA.

O racional para o uso combinado de IECA e BRA é alcançar um bloqueio mais completo do sistema reninaangiotensina, que vem revelando-se mais renoprotetor que o uso isolado de cada droga (8,12,13,14).

Evidentemente, a progressao ocorre em muitos casos, mesmo com a inibiçao máxima do sistema reninaangiotensina, de modo que intervençoes voltadas para outros mecanismos sao freqüentemente apropriadas com vistas à prevençao de progressao para doença renal terminal e suas complicaçoes. Muitos concordam que tais recomendaçoes devem incluir: perda de peso, intensificaçao do controle pressórico, adiçao de outras drogas antiproteinúricas, modificaçao do estilo de vida, incluindo por exemplo parar de fumar (11). Tem-se constatado que, em doença renal, especialmente glomerulopatias, o tabagismo tem açao deletéria sobre os rins primariamente através de lesao das pequenas artérias interlobulares (15).

Acredita-se que uma abordagem que envolva o controle de múltiplos fatores é a que terá mais sucesso na prevençao da progressao da doença renal (glomerular ou nao), além de contribuir para reduçao da morbidade e da mortalidade cardiovasculares expressivas associadas com a doença renal crônica (16).

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

1. Burgess E: Conservative treatment to slow deterioration of renal function: Evidence-based recommendations. Kidney Int 55(Suppl.70):S17-25,1999.

2. Dogra G, Watts G, Herrmann S, et al: Statin therapy improves brachial artery endothelial function in nephrotic syndrome. Kidney Int 62:550-7,2002.

3. Blanco-Colio LM, Tunon J, Martin-Ventura L, et al: Antiinflammatory effects of statins. Kidney Int 63:12-23,2003.

4. Maschio G, Alberti D, Janin G, et al: Effect of the angiotensinconverting- enzyme inhibitor benazepril on the progression of chronic renal insufficiency. The Angiotensin-Converting- Enzyme Inhibition in Progressive Renal Insufficiency Study Group. N Engl J Med 334:939-45,1996.

5. Remuzzi A, Perico N, Sangalli F, et al: ACE inhibition and ANG II receptor blockade improve glomerular size-selectivity in IgA nephropathy. Am J Physiol 276:F457-66,1999.

6. Woo KT, Lau YK, Wong KS, Chiang GSC: ACEI/ ATRA therapy decreases proteinuria by improving glomerular permselectivity in IgA nephritis. Kidney Int 58:2485-91,2000.

7. Park HC, Xu ZG, Choi S, et al: Effect of losartan and amlodipine on proteinuria and transforming growth factor-b1 in patients with IgA nephropathy. Nephrol Dial Transplant 18:1115-21,2003.

8. Nakao N, Yoshimura A, Morita H, et al: Combination treatment of angiotensin II receptor blocker and angiotensin converting enzyme inhibitor in non-diabetic renal disease (COOPERATE): A randomized clinical trial. Lancet 361:117-24,2003.

9. Bos H, Henning R, de Boer E, et al: Addition of AT1 blocker fails to overcome resistance to ACE inhibitor in adriamycin nephrosis. Kidney Int 61:473-80,2002.

10. Ruggenenti P, Mosconi L, Vendramin G, et al: ACE inhibition improves glomerular size-selectivity in patients with idiopathic membranous nephropathy and persistent nephrotic syndrome. Am J Kidney Dis 35:381-91,2000.

11. Ruggenenti P, Schieppati A, Remuzzi G: Progression, remission, and regression of chronic renal disease. Lancet 357:1601-8,2001.

12. Laverman G, Navis G, Henning R, et al: Dual reninangiotensin system blockade at optimal doses for proteinuria. Kidney Int 62:1020-5,2002.

13. Noris M, Remuzzi G: ACE inhibitors and AT1 receptor antagonists: is two better than one? Kidney Int 61:1545-7,2002.

14. Campbell R, Sangalli F, Perticucci E, et al: Effects of combined ACE inhibitor and angiotensin II antagonist treatment in human chronic nephropathies. Kidney Int 63:1094-103,2003.

15. Lhotta K, Rumpelt HJ, Konig P, et al: Cigarette smoking and vascular pathology in renal biopsies. Kidney Int 61(2):648-54,2002.

16. Baigent C, Burbury K, Wheeler D: Premature cardiovascular disease in chronic renal failure. Lancet 356:147-52,2000.

Renoproteção

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